Pensamentos crônicos

A solução definitiva para a saudade

Escrito por Patrícia Librenz

Quem não aguenta o tranco, volta; só os fortes sobrevivem nesta selva chamada mundo real.

Quem sai da casa dos pais e vai morar longe precisa aprender a lidar com essa “coisa” chamada saudade. São muitos aniversários, muitos churrascos de domingo, o nascimento do primeiro filho daquela prima que cresceu contigo, muitas datas comemorativas em que todos estão lá, reunidos, e você tem que se conformar em não poder participar… “de novo”! São muitas felicitações começando por “eu gostaria de poder estar aí e te dar um abraço, só que…”.

Mas o pior da distância nem é a saudade ou a frustração de não poder estar junto nesses momentos de alegria. O pior da distância é estar ausente naquelas horas em que mais precisam de ti ou que tu mesmo mais precisas de cuidado, carinho e atenção, seja por um resfriado ou por uma cirurgia de emergência. Em novembro, minha avó fez uma cirurgia no joelho e eu não estava lá – justo eu, que sempre era a companheira das tardes no hospital e que sou sua “neta preferida” (ela admite isso a todos os netos, sem a menor cerimônia); no dia 24 de janeiro, minha mãe fraturou a tíbia (ou seria a fíbula?) e acabo de saber que ela terá de passar por uma cirurgia… Em um mundo perfeito (“em que todas as pessoas são felizes”) e em um cenário ideal, o bom filho larga tudo e vai ficar perto de sua mãe; mas em um mundo adulto e cheio de responsabilidades, afazeres e contas a pagar, as coisas não funcionam exatamente da forma como gostaríamos que fossem.

saudade

No entanto, saber lidar com essas angústias faz parte do processo de decisão de “morar longe de casa”. Quem não aguenta o tranco, volta;  só os fortes sobrevivem nesta selva chamada mundo real. Muitos não deixam nunca o aconchego e o calor que existe debaixo das asas da mãe. Respeito e até entendo quem opta por isso, mas lamento, também… porque essas pessoas terão muita dificuldade em lidar com uma série de frustrações da vida. Que virão, sem dúvida. Frustrações são inevitáveis e, mais cedo ou mais tarde, teremos de lidar com elas. Quando saímos da nossa zona de conforto, da segurança da casa dos pais, da confiança do nosso círculo familiar, temos um choque de realidade: é praticamente um trauma.

De acordo com a psicanálise, todo ser humano passa por um grande primeiro trauma, que é o nascimento. Ele está lá, quentinho, seguro e protegido dentro do útero da mãe e, de repente, é empurrado (ou puxado) para fora, e aí tem que aprender a sobreviver neste mundo hostil. De uma hora pra outra, ele sente frio, fome, medo, precisa respirar por conta própria e tem que aprender a se alimentar sozinho. Mamar é seu primeiro grande desafio.

Sair da casa dos pais é mais ou menos assim também… talvez um pouco mais dramático, pois teremos plena consciência e lembrança de tudo o que iremos passar. Enquanto que, por um mecanismo de defesa do nosso subconsciente, não lembramos do momento em que viemos ao mundo, mas creio que todos lembram do primeiro dia de aula, quando a mãe nos deixou na escola com a professora, deu as costas e foi embora (oi? como assim? Mãe! Você me esqueceu aqui!), ou do dia em que saíram da casa dos pais para ganhar o mundo, seja para trabalhar ou estudar. Eu saí para estudar, então, era muito jovem. Quando fui morar em Florianópolis para fazer faculdade, minha mãe foi comigo para ajudar na mudança; horas antes dela partir, comecei a ter sintomas de labirintite e gastrite – e eu já havia morado sozinha antes, por um ano e meio, mas estava a 180 km da casa dos meus pais e, depois, a distância que nos separava aumentou para aproximadamente 700 km. A ansiedade era inevitável, mas o sofrimento era opcional. Fiquei ansiosa por uns três dias; depois, passou. Esse é um processo constante de adaptação, amadurecimento e de evolução, e que precisa se acelerar para que não surtemos.

Engraçado que, apesar da saudade que dá, apesar desse aperto que sinto agora sufocando meu peito, de às vezes me pegar pensando e rindo sozinha das piadinhas infames do meu pai ou comentando com alguém sobre as conversas filosóficas que tenho com meu irmão e, claro, lembrando do sabor da comida da minha mãe… apesar disso tudo, hoje não me imagino mais morando com minha família. Sequer me imagino na mesma cidade que eles. A gente acostuma-se a viver assim, de forma mais independente, sem ninguém dando pitaco. Querendo ou não, família sempre dá uns pitacos, mesmo sem a gente pedir opinião, né?

Não queria conviver com minha família em tempo integral; longe disso, acho, inclusive, que meu relacionamento com todos os meus familiares é muito mais saudável por não termos uma convivência diária, que desgasta qualquer relacionamento. Eu apenas gostaria de estar lá no exato momento em que me desse vontade.

Acho que o que eu queria era ter o poder de me teletransportar… Isso! Eu quero me teletransportar para estar lá somente nos momentos certos (nas festas de aniversário ou na sala de espera de um hospital).

Quando vão inventar a pílula do teletransporte? Ela seria a solução definitiva para a saudade.

 

Sobre o autor

Patrícia Librenz

Mãe de dois gatos, um autista e outro que pensa que é cachorro. Casou com um veterinário, na esperança de um dia terem uns 837 animais. Gaúcha no sotaque, pero no mucho nos costumes. Radicada em Foz do Iguaçu desde 2008, já fez mais de 30 mudanças na vida. Revisora de textos compulsiva, apaixonada por dicionários. A louca do vermelho. A chata que não gosta de cerveja. A esquisita que não assiste a séries. Dona da gargalhada mais escandalosa do Sul do Mundo. Mestra em Literatura Comparada, é fã de Machado e Borges, mas ignorante de Clarice Lispector e intolerante a Paulo Coelho. Não necessariamente nessa ordem.

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