Relatório de Evidências

Relato de sobrevivência

Escrito por Rose Carreiro

Sair do sedentarismo pode ser uma tarefa muito mais difícil do que parece.

Semana passada, resolvi que precisava voltar à ativa na vida atlética. Mentira, atleta nunca fui, só que eu precisava fazer alguma coisa pra parar de ver meus braços molengando quando segurava a barra do ônibus cheio. Durou só um dia – semana que vem eu prometo voltar, se essa dor do lado não me obrigar a ir a um pronto socorro pra ser espetada por enfermeiros que não acham minhas veias – mas rendeu pensamentos profundos, então, vamos ao relato de sobrevivência:

Acordei cedo, acredite. Mal passava das 06:15 eu já tava de butucas abertas, e nada via. Pois é, esse horário de verão não colabora, tudo era um breu.

Esperei até as 06:30, quando começou a clarear, tomei um café com leite e saí pra caminhar. Com estes tempos de violência, por segurança coloquei o celular numa daquelas pochetes de levar dinheiro dentro da roupa, e fui com as chaves na mão, a tetra sempre apontando como se fosse uma mini espada que afastaria ladrões e tarados.

Comecei a pensar nas mil formas de ser assaltada e morrer em alguma esquina. Alguém ia me parar com um dedo embaixo da camisa e me levar o telefone (mesmo ele estando dentro das minhas calças), ou algum maluco me perseguiria pedindo dinheiro pro pão, quando eu sabia que era pra pinga. Ou uma gangue de moto me abordaria por causa de uma aliança de 2mm e me deixaria de calcinhas e sem tênis.

Fui e, devo dizer, que decepção: a essas horas não tem praticamente ninguém nas ruas da minha vizinhança. Passei por um rapaz perfumado, de mochila, que certamente estava indo trabalhar. Passei por muitas senhoras de saias jeans e coque, algumas no ponto de ônibus, outras rumando para os prédios por ali, definitivamente indo trabalhar também. Nem velhinhos andando devagar com calça social e tênis Nike eu vi por ali.

Eu ia, no fone tocava Bete Davis Eyes – não que você deva confiar no meu bom gosto, a música seguinte era Only Girl – e não via nada demais. Uma frentista arrumando galões no posto. Outra moça com fones esperando na calçada, um cachorrinho correndo como se fosse perder uma reunião importante, mais senhoras de saias jeans.

Eu via o dia cada vez mais claro, com umas nuvens rosas, e pensava que não pode ser tão seguro assim andar nas ruas de manhã. Nem que eu poderia ser tão medrosa ou desconfiar tanto das pessoas. Eu era uma das poucas pessoas na rua a lazer. Na verdade, só vi mais uma mulher com roupas de ginástica na calçada em que eu seguia. Os idosos estavam na academia, andando – na mesma velocidade que eu – em esteiras, sob o ar condicionado e com camisetas dry fit.

Cheguei em casa a salvo. Nenhuma senhorinha de saia jeans inspirava perigo, o rapaz perfumado nem me viu passar. O cara que pede dinheiro pro pão só aparece no ponto de ônibus depois das 08:30. Espero que ninguém tenha notado minha chave tetra apontada entre os dedos. O mundo – ou pelo menos o bairro Judith – ainda é um lugar bom pra se viver.

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Sobre o autor

Rose Carreiro

Nascida num 20 de Outubro dos anos 80. Naturalmente petropolitana, com passaporte carioca. Flamenguista pé frio e expert em não se aprofundar em regras esportivas. Fã de Verissimo – o Luis Fernando – e Nelson, o Rodrigues (apesar de tudo). Poser. Pole dancer com as melhores técnicas para ganhar hematomas. Amadora no ofício de cozinhar e fazer encenações cômicas baratas. Profissional na arte de cair nos bueiros da Lei de Murphy.