Amor é prosa

Tradução

Escrito por Patrícia Librenz

Algumas pessoas nos fazem tão bem, que têm esse abençoado dom de nos trazer aquela sensação da sexta-feira em qualquer dia da semana, pelo simples fato de elas chegarem.

Hoje é dia dos namorados e me desafiei a tentar traduzir o que a paixão provoca em mim e, possivelmente, em alguns de vocês também. Tem uma música dos Engenheiros do Hawaii que diz: “Na verdade, ‘nada’ é uma palavra esperando tradução”. Ela me fez pensar que eu também espero a tradução para várias coisas que estou vivendo e sentindo.

Na vida, existem muitas coisas que não sabemos traduzir ou explicar, e que só sabemos como é, sentindo – como o cheiro da terra molhada quando chove, o gosto da comida feita pela nossa mãe, a sensação do primeiro beijo, a ternura no olhar da pessoa querida, a alegria de chegar em casa após um dia cansativo e ser recebido com euforia pelo seu cão…

Paradoxalmente, eu seria capaz de dar várias traduções para o que eu senti com um simples abraço que meu namorado me deu. No dia que nos conhecemos, eu sabia que iria me apaixonar por ele. Mas justo eu, uma mulher das letras, ainda estou aguardando a tradução das outras coisas que ele me faz sentir, como a maneira espontânea de sorrir quando fazemos uma piada juntos; quando eu faço uma miniprodução para sairmos curtir a noite e ele age como se eu e estivesse indo à premiação do Oscar em Hollywood; a forma como ele me abraça na cama, no meio da noite, envolvendo meu corpo e puxando-o para perto do seu, aquecendo meu coração e minha pele.

Algumas pessoas nos fazem tão bem, que têm esse abençoado dom de nos trazer aquela sensação da sexta-feira em qualquer dia da semana, pelo simples fato de elas chegarem. Acho que isso traduz um pouco a sensação de estar apaixonado, mas uma parte somente…

Eu não sei muito bem o que é isso que eu sinto quando ele acaricia a parte anterior do meu antebraço, mas sei que é bom. Também adoro o jeito como ele me olha, e sorri como se sempre estivesse surpreso ao me ver; não sei descrever esse arrepio que sinto toda vez que ele, com cuidado, emaranha os dedos em meus cabelos e então me beija, num misto de loucura e doçura. Não sei explicar essa atração que sinto pela sua voz e pelo seu sotaque, mas sempre que ele fala comigo, sou banhada por uma sensação que talvez se assemelhe a de um soldado que acaba de chegar ao aconchego de seu lar depois de uma guerra.

É impossível traduzir a sensação de “encaixe de lego” que sinto quando qualquer parte do meu corpo se aconchega ao dele. Eu moraria para sempre dentro daquele abraço (aquele que fez eu ter certeza que iria me apaixonar). Nada melhor do que o abraço da pessoa que amamos, aquele apertadinho, que dura o suficiente para que haja um lapso temporal que nos faça perder a noção de cronologia e espaço.

Também é intraduzível a sensação de acordar juntos aos finais de semana, de curtir um dia inteiro de preguiça e de repente ver que “já é amanhã” e a gente nem percebeu, porque estávamos muito ocupados fazendo vários nadas. Quem nunca?

É maravilhoso sentir reciprocidade, saber que as afinidades nos aproximam, nos conectam e estão cada vez mais latentes. É indescritível o prazer que sinto ao saber que ele gosta de rock, até mais do que eu; que odeia cerveja tanto quanto eu e que finalmente tenho companhia para os “drinks de mulherzinha”, a base de vodka e leite condensado.

Tem uma gama infinita de outras emoções, prazeres e sensações que ele provoca em mim e para as quais (ainda) não existe tradução no meu vocabulário prolixo. Eu procuraria no dicionário, se não tivesse a convicção de que essa tarefa seria totalmente vã. Talvez um dia eu descubra o vocábulo exato e consiga encontrar as palavras para dizer a ele o quanto este amor me faz bem, o quanto estou feliz por tê-lo em minha vida e no quanto me sinto sortuda por ter sido louca o suficiente para sair de casa naquela noite…

Isto não é uma simples declaração de amor, pois “amor” é uma palavra com várias traduções, para vários idiomas, que já foi usada inúmeras vezes, por poetas e amantes, de forma idealizada, romantizada, equivocada e até clichê. E o que eu guardo aqui dentro é algo que ainda não habitou em mim, por isso, ainda não tenho a tradução – o que, inclusive, confere-lhes uma certa licença poética para usarem a palavra que melhor lhes convier (vai que ele ou vocês tenham a tradução exata para o que eu procuro?)…

Sobre o autor

Patrícia Librenz

Mãe de dois gatos, um autista e outro que pensa que é cachorro. Casou com um veterinário, na esperança de um dia terem uns 837 animais. Gaúcha no sotaque, pero no mucho nos costumes. Radicada em Foz do Iguaçu desde 2008, já fez mais de 30 mudanças na vida. Revisora de textos compulsiva, apaixonada por dicionários. A louca do vermelho. A chata que não gosta de cerveja. A esquisita que não assiste a séries. Dona da gargalhada mais escandalosa do Sul do Mundo. Mestra em Literatura Comparada, é fã de Machado e Borges, mas ignorante de Clarice Lispector e intolerante a Paulo Coelho. Não necessariamente nessa ordem.