Amor é prosa

Dormir de conchinha

Escrito por Patrícia Librenz

Eu não gostava de dormir de conchinha. Achava incômodo, não conseguia encontrar uma posição em que o braço do meu companheiro não desafiasse o meu conforto e, no dia seguinte, sempre acordava com torcicolo! Era BATATA! Considerava a tal conchinha uma afronta à qualidade do meu sono, e uma baita hipocrisia dessa sociedade que cultua um romantismo desmedido e opressor.

Eu não gostava de dormir de conchinha. Achava incômodo, não conseguia encontrar uma posição em que o braço do meu companheiro não desafiasse o meu conforto e, no dia seguinte, sempre acordava com torcicolo! Era BATATA! Considerava a tal conchinha uma afronta à qualidade do meu sono, e uma baita hipocrisia dessa sociedade que cultua um romantismo desmedido e opressor.

Pra mim, a conchinha não passava de uma farsa com qual as pessoas safadas descobriram uma forma de conseguir sexo com pessoas carentes que, por sua vez, viam no sexo uma forma de conseguir dormir de conchinha com alguém.

Admito que eu gostava de me aninhar aos (poucos) namorados que tive, tanto na hora de dormir quanto após – para usar um eufemismo – fazer amor. Ocorre que, pra mim, isso era agradável apenas nos primeiros cinco minutos, pois eu odiava dormir com alguém agarrado a mim. Se você já foi meu namorado e descobriu isso lendo este texto agora, sinto muito e confesso: eu sempre fingi…

Fingi não apenas orgasmos, mas fingi, principalmente, estar confortável enquanto, na realidade, sua perna pesava sobre o meu quadril. Fingi estar feliz numa posição delícia, quando, na verdade, queria arrancar seu braço debaixo do meu pescoço.

Mas, pra mim, como isso sempre configurou vínculo amoroso, eu deixava vocês se iludirem que estavam me agradando, para não parecer chata nem desapegada. Afinal, a gente é criado em meio a essa onda de filmes hollywoodianos, novelas globais e comerciais de margarina, que reforçam uma cultura na qual o pré-requisito para um relacionamento bem sucedido parece sempre passar pela tal da conchinha! Ela habita nosso imaginário e isso me frustrava imensamente, pois acho que, no fundo, eu NÃO SABIA dormir de conchinha.

Era como se eu sentisse que eu tivesse algum defeito de fabricação. Sonhei, em vão e desesperadamente, que “meu homem perfeito” também não gostasse de dormir agarrado…

Eis que, aparentemente, ao que tudo indica, eu conheci meu príncipe encantado… e não é que na nossa primeira noite juntos ele puxou meu corpo para perto do dele? Fez com que eu deslizasse sobre aquele lençol com tamanha facilidade, que é como se houvesse rodinhas giratórias em minhas costelas. E aí deu seu golpe mortal: pah! Um encaixe perfeito como o de duas peças de Lego.

Eu não sei se já tive coragem de confessar isso a ele, mas caso ainda não tenha, eu o farei agora: eu soube que iria me apaixonar quando tivemos nossa primeira noite juntos. Foi a primeira vez que consegui dormir agarradinha a alguém e, simultaneamente, desejar que aquilo não acabasse nunca mais. Acordei enlaçada por braços e pernas e me sentindo extremamente à vontade. Eu moraria ali para sempre. Fácil, fácil…

Então eu entendi que eu estava diante de algo completamente diferente na minha vida. Nesse instante, foi como se nossas almas se reconhecessem e, então, pude sentir que ele não era qualquer um, que nada daquilo seria passageiro e que, ironicamente, parece que encontrei o homem da minha vida quando eu menos estava procurando por ele…

Pude compreender, com isso, que a conchinha não é uma questão de sexo ou de carência, e sim uma questão de química entre almas: não adianta forçar, porque você só irá encaixar-se perfeitamente a uma.

Hoje, quando durmo sem sentir a respiração dele na minha nuca, seu braço debaixo do meu pescoço e suas pernas envolvendo as minhas, parece que falta um pedaço de mim… e é porque falta mesmo: falta o meu pedaço que já pertence a ele.

Não quero sugerir, com este texto, que você está dormindo com a pessoa errada caso também não goste de ficar de conchinha. Mas comigo, “só sei que foi assim”… acho que a mágica é diferente para cada um. É como se as almas fizessem um pacto de reconhecimento e cada dupla tem seu código.

Foi assim que eu entendi que ele chegou e consertou aquilo que sempre esteve quebrado em mim. Ao fazer minha alma transbordar de felicidade com seu preenchimento, ele consertou meu coração, no qual sempre faltou esse pedacinho que estava à espera de seu encaixe de Lego – e eu sequer podia dar falta disso, pois estava muito ocupada tentando encontrar uma posição confortável nos braços errados…

Sobre o autor

Patrícia Librenz

Mãe de dois gatos, um autista e outro que pensa que é cachorro. Casou com um veterinário, na esperança de um dia terem uns 837 animais. Gaúcha no sotaque, pero no mucho nos costumes. Radicada em Foz do Iguaçu desde 2008, já fez mais de 30 mudanças na vida. Revisora de textos compulsiva, apaixonada por dicionários. A louca do vermelho. A chata que não gosta de cerveja. A esquisita que não assiste a séries. Dona da gargalhada mais escandalosa do Sul do Mundo. Mestra em Literatura Comparada, é fã de Machado e Borges, mas ignorante de Clarice Lispector e intolerante a Paulo Coelho. Não necessariamente nessa ordem.