Divã-neando

Insuficientes

Escrito por Mayara Godoy

Vivemos uma corrida contra o tempo para tentar dar conta de tudo, e muitas vezes a sensação é a de que não estamos dando conta de nada.

O mundo nos mostra, o tempo todo, que somos insuficientes. As cobranças e as pressões são inúmeras e diretamente proporcionais ao complexo de inferioridade que desenvolvemos.

Nos olhamos no espelho e constatamos que não somos suficientemente bonitos. Estamos a anos-luz dos padrões com que nos massacra a mídia; não existem roupas que nos sirvam, e nossas fotos só são apreciadas quando cuidadosamente posadas, editadas e com muitas camadas de filtros. 

Não somos suficientemente inteligentes, o mundo nos diz. Não basta ter feito graduação, pós-graduação e cursos de idiomas, você ainda está para trás. Os discursos motivacionais não cansam de esfregar na nossa cara que sempre é possível se dedicar mais, aprender mais, se aprofundar mais, pois se você não o fizer, outros estão fazendo. 

Não somos suficientemente amados, de acordo com as regras vigentes, a menos que tenhamos relacionamento estável, filhos, pets e convivência harmoniosa até mesmo com aqueles parentes distantes que insistem em colocar uva passa no arroz de Natal. 

Não somos suficientemente bem-sucedidos, porque os parâmetros estão elevadíssimos: bom emprego, carro do ano, cartão de crédito ilimitado e duas viagens internacionais por ano. Você está aí fazendo as contas para ver se vai conseguir pagar os boletos este mês? Loser. A Betina conseguiu muito mais e em menos tempo.

Não somos suficientemente saudáveis, porque se você não acorda às 6h da manhã para malhar, com acompanhamento nutricional e personal trainner, você deveria se sentir envergonhado. E saiba que você vai morrer logo, de diabetes, pressão alta, obesidade ou atropelado por um grupo de corredores de rua. 

Não somos suficientemente informados, ainda que vivamos na era da superinformação. Como assim você não sabe do que se trata essa notícia da qual todo mundo está falando? Como assim você não entende de células tronco a viagens espaciais? Você deveria se informar melhor, sobre o maior número de assuntos possível, sob pena de parecer um alienado. 

Não somos suficientemente divertidos, porque, oras, você tem que saber conciliar todas as suas obrigações profissionais, legais, financeiras e cívicas com um pouco de lazer. Você tem que se divertir, conhecer pessoas, relaxar e viver, porque a vida é uma só. 

E nesse quebra-cabeças insolúvel, qualquer um que queira ser minimamente bom em algumas coisas vai acabar se sentindo péssimo em absolutamente tudo. A pressão que vem de todos os lados nos esmaga, nos sufoca. O mundo nos rasga no meio, nos mastiga e nos cospe de volta à vida real que, fora dos roteiros cinematográficos e longe das câmeras, não tem absolutamente nada de extraordinária.

E isso é muito injusto, pois estamos nos esforçando em níveis absurdos, estamos ridiculamente cansados, e, quanto mais tentamos, mais buscamos, mais lutamos, mais nos sentimos irremediavelmente insuficientes.

Sobre o autor

Mayara Godoy

Palestrante de boteco. Internauta estressada. Blogueira frustrada. Sarcástica compulsiva. Corintiana (maloqueira) sofredora. Capricorniana com ascendente em Murphy. Síndrome de Professor Pasquale. Paciente como o Seo Saraiva. Estudiosa de cultura inútil. Internet junkie. Uma lady, só que não. Boca-suja incorrigível. Colunista de opiniões aleatórias. Especialista em nada com coisa nenhuma.

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