Divã-neando

Demônios

Escrito por Leandro Duarte

Todos temos os nossos demônios, gosto de manter os meus à vista. As sombras me mostram que meus demônios estão aqui, e que amanhã devo proteger minha alma, mas só amanhã.

Deitado em minha cama, vejo demônios.

Deitado em minha cama, com a porta do quarto entreaberta, posso ver uma parede da sala. As luzes da noite entram pela janela e criam sombras em movimento nesta parede, e eu gosto de observá-las. São os meus demônios, querem minha alma.

Sim, eu sei que são apenas sombras que se formam a partir da bagunça que deixo em minha mesa, mas gosto da ideia de que são demônios. Vários deles, e estão lá quase que me dando um tchauzinho toda vez que uma luz mais forte movimenta as sombras.

Problemas no trabalho, falta de grana, tretinha de família, o bosta do presidente e etc. Estes demônios trazem em seus ombros as preocupações do cotidiano, trazem as dificuldades, dores, trazem medos, trazem o pior de cada dia.

Gosto de ter esses demônios à minha vista, se mexendo a cada luz que invade minha sala. Gosto que esses demônios se mostrem, os quero perto, quero sentir o enxofre que expiram pelas ventas. Quero ver seus chifres e suas garras, quero ler seus movimentos.

Por vezes, estes demônios se mostram grandes, suas presas afiadas, garras fortes. Seu rosnar goteja baba à minha volta, essa saliva pegajosa me paralisa, não por medo ou por loucura. Paralisam por eu não saber como me desvencilhar, paralisam por trazerem a desesperança em sua composição. Malditos demônios. Ainda assim os quero perto, os quero comigo.

Negar a existência destes demônios não ajuda em nada, os torna mais fortes. A escuridão sobre essas demandas alimentam os demônios, quanto mais tempo deixamos estes demônios escondidos no breu, maior será o susto ao vê-los e, parceiro, mais cedo ou mais tarde esse encontro é inevitável.

Gosto de ver meus demônios, gosto quando acenam pra mim. Tô aqui pra pelear com cada um deles, vou tomar uma surra na maioria das vezes, mas não paro de pelear.

Cada luz que invade a minha sala enquanto estou deitado na cama, com a porta entreaberta, me lembra que amanhã tem mais. Amanhã os demônios estarão lá me esperando, mas eles sabem que eu posso vê-los, e sabem que não vou entregar barato minha alma. Mas não agora, só amanhã. Agora preciso dormir, acordo às 4:30 da manhã, e preciso estar inteiro para os meus demônios.

O único demônio que me motiva a perder horas de sono é o bosta do presidente. Contra esse demônio, qualquer hora é hora, e não posso perder a oportunidade de mandá-lo pro inferno. Queima, filho da puta.

Sobre o autor

Leandro Duarte

Leandro, 33 anos, ganha a vida em projetos e TI, talvez por isso sem a menor paciência para toda essa bobagem nerd e cultura pop. Em resumo, inadequado. Grande demais para a poltrona do ônibus de todos os dias.
Pequeno demais para sorrir de tudo. Velho demais para um banho de chuva; muito novo para temer o resfriado. Direto demais para a palavra escrita, e de menos para se fazer compreender. Humano demais para viver de tecnologia. Humano de menos para largar tudo. Comunista demais para os dias de hoje. Comunista de menos para o que é preciso ser feito.
Mesmo inadequado, segue peleando. Como era de se esperar, falhando miseravelmente.

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