Divã-neando Pensamentos crônicos

Atípica

Escrito por Rose Carreiro

Layne Staley cantava “Se não posso ser eu mesmo, seria melhor estar morto” em Nutshell. Não querendo contrariar o que é uma das mais belas composições do grunge, na minha opinião, me pego muitas vezes pensando: e se o preço a se pagar por ser a gente mesmo é ser diferente, mas não de um jeito bom e, sim, complicado? 

Minha terapeuta uma vez me disse que eu sou uma mulher atípica, e por isso é mais difícil encontrar alguém que combine comigo. Parecia que ela estava dizendo que eu tinha uma beleza exótica ou algo do tipo, mas ela só quis dizer que eu era diferente das outras mulheres, mas desse jeito complicado. Um jeito de quem não sabe jogar, não tem paciência para se deixar seduzir, de quem quer ou não quer e pronto. Preto e branco num mundo em que relações são tons de cinza. 

Os Gallagher dizem que você tem que ser você mesmo, que você não pode ser outra pessoa. Mas, ser eu mesma me faz sentir como se eu fosse estranha, quando eu só queria ser como todo mundo. E eu até tento me mesclar e usar máscaras sociais – e essa foi outra observação que me fizeram: ser assim, eu mesma, falar e agir naturalmente pode ser incômodo, complicado ou mal entendido pelos outros. 

E não pense que quero defender a ideia de que ser originalmente a gente o tempo todo nos dê o direito de vomitar tudo o que se passa na cabeça e no coração. Acredite, eu fiz isso durante 40 anos, achando que era o certo, e só me serviu pra ser colocada em caixas, pra machucar os outros e ser machucada. Plantei, reguei, alimentei e colhi os frutos azedos disso. Mesmo tentando me podar, a minha natureza foi mais forte do que eu e, agora citando outro ícone da música, essa noite eu vou dormir numa cama de espinhos. 

Ser o que a psicóloga chama de “atípica” pode soar interessante à primeira vista, assim como eu dançando livre num show de rock pode parecer atraente. Ninguém quer ser igual a todo mundo, então, ser vista como diferente deveria ser legal, não? Não, porque, no final, ou depois de alguns minutos, eu sou só uma esquisita. 

Eu amo a minha vida, a minha liberdade e as minhas escolhas. Mas, tem dias em que eu só queria ser normal. Comum. Ordinária. E ter uma vida assim. Ao menos, nesses momentos, eu não me sentiria tão fora dos trilhos vivendo meus 40 anos sozinha e com uma penca de gatos. Eu iria gostar do que eu vejo no espelho, sofreria menos por aceitação, seria mais gratiluz e menos caótica. 

Caos. Talvez essa seja a palavra: não é ser atípica, é ser caótica. Eu sinto conforto no caos e na intensidade, gosto de ser empurrada para o precipício. Me sinto viva quando me afundo nas coisas, me enterro nos sentimentos, não imponho limites às ideias. Tudo o que provoca, que tira o sossego da mente, me interessa. Azucrinação é minha linguagem de amor. E toda a falta que eu sinto de ser normal, de ter alguém ao meu lado, conflita com eu ser eu mesma. 

O preço de ser “uma mulher atípica” às vezes é caro, principalmente quando se trata da necessidade de ser aceita e querida pelos outros. E eu sequer posso culpar alguém além de mim: quem eu sou não é fácil de ser amada, porque eu não sei ser um amor tranquilo. 

Sobre o autor

Rose Carreiro

Nascida num 20 de Outubro dos anos 80. Naturalmente petropolitana, com passaporte carioca. Flamenguista pé frio e expert em não se aprofundar em regras esportivas. Fã de Verissimo – o Luis Fernando – e Nelson, o Rodrigues (apesar de tudo). Poser. Pole dancer com as melhores técnicas para ganhar hematomas. Amadora no ofício de cozinhar e fazer encenações cômicas baratas. Profissional na arte de cair nos bueiros da Lei de Murphy.

1 comentário

  • Você é incrível. Do seu jeito, com as suas manias e nunca deixe nada ditar diferente disso. Existe alguém (se é que você quer esse alguém) que te aceitará como você é, sem te podar ou te impor limites.

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