Para esquecer aquela paixão, eles agora evitam o convívio diário como fora em outrora. Ela vai dormir cedo; ele vai à academia tarde. Ela se ocupa dos livros e ele, leva trabalho para casa. E assim seguem, cada um em seu mundo, tentando esquecer um ao outro.
Ela já estava de pijamas, no conforto de sua cama e no gelo do seu ar-condicionado, iniciando a descoberta de um novo universo literário; um autor novo para ela. Eis que, então, a leitura fora interrompida por aquela musiquinha no celular… Sim, prezados leitores, ela havia esquecido de tirar o toque personalizado para o contato dele no telefone. O coração disparou e veio-lhe à boca. “Estou aqui no portão, abre aí”, dizia a mensagem. E ela lá, de camiseta, sem corretivo nas olheiras e cheirando a um sabonete qualquer. “Me dê dois minutos”, respondeu. Vestiu-se rapidamente e correu à porta.
Nem fazia tanto tempo assim… mas, para ela, parecia uma eternidade, já que ele não aparecia mais em seu portão sem avisá-la desde os tempos em que os dois estavam em vias de publicizar aquele romance, jamais assumido socialmente. Era um hábito antigo dele, chegar assim, sem avisar. E ela, que gosta de ser surpreendida, nunca achou ruim – muito pelo contrário. Ela gostava daquela espontaneidade e falta de cerimônia que marcou o relacionamento dos dois desde o início. Visceral que é, gosta de pessoas exatamente como ela: ela quer alguém que sinta vontade de fazer algo e faz; que sinta vontade de ir lá e vá; gosta de pessoas de verdade, que sentem de verdade, que riam sem pudor e que não estão nem aí se parecer ridículo ligar no dia seguinte.
A noite estava quente, a lua estava gigante, o céu estava estrelado. “Tu não tem cerveja aí, né?”. Uma pergunta retórica, já que ele presumia que a resposta seria não. Foi o pretexto que precisavam para saírem juntos, andando devagar pelo bairro, como dois amigos enamorados (que não são nem amigos, nem namorados)… Ele bebeu cerveja; ela, caipirinha.
E aquela noite, que, para ela, começou só com a pretensão de ler alguns contos e dormir cedo, estendeu-se… “Durma aí, você já bebeu demais”, ela sugeriu. Ele, que sempre tentava encontrar desculpas para voltar para sua casa (ou para que ela insistisse a ele que ficasse?), nem tentou isso naquela noite. Aceitou o convite sem titubear, e ficou. E ficaram… E o quarto dela, que estava frio, de repente ficou quente novamente. Sua cama, que ultimamente andava vazia, fora preenchida por um mar de sensações.
Embora os dois jamais tenham deixado de conviver “como amigos”, eles vinham evitando o contato físico e a intimidade – uma fuga consentida da realidade que os cerca. Conversavam amenidades, viam-se somente em grupos de amigos ou lugares públicos. Mas é no apagar da vela que suas mãos procuram-se, seus rostos e suas bocas aproximam-se e seus corpos, que se buscam mutuamente, encontram-se. E eles se acham quando se perdem um no corpo do outro. Foi o “esbarrar” de duas mãos sonolentas, já no aconchego dos travesseiros, que fez despertar novamente aquilo que sempre existiu entre eles: o que parecia estar se perdendo, mas que sempre esteve ali, latente e disfarçado. Algo forte e incontrolável e que só eles dois, no silêncio daquele quarto, no calor de Macondo, nas palavras mudas daqueles olhares e nos gemidos silenciosos do roçar de suas peles, sabem o que é.
Ninguém mais sabe!