Vivemos tempos delicados, em que guerras frias são iniciadas diariamente, por razões que se dizem grandes, mas no fundo só cabem na pequenez de um ego.
Temos de caminhar cuidadosamente, pois nunca sabemos se estamos pisando em ovos ou no calo de alguém.
Os discursos propagados são sempre inflamados e extremos, e já não é mais permitido ficar em cima do famoso muro.
Nem mesmo os copos estão mais meio cheios ou meio vazios – e podem virar armas nas mãos de quem só quer quebrar algo para ver os cacos.
O silêncio virou crime inafiançável. O bem maior é relativo. A indignação é seletiva. Não se sabe se os fatos são reais – mas obviamente são surreais. E a verdade mais parece uma massinha de modelar manuseada por incontáveis mãos sem a menor habilidade – e depois mastigada por um cachorro.
No fim, toda essa obra de arte de gosto duvidoso acaba indo pra lata do lixo, sem ao menos a fineza de separar o reciclável do orgânico.
A atmosfera toda está malcheirosa, poluída por resíduos de sentimentos tóxicos. Mas só dói quando a gente respira.
Estamos armados até os dentes – e não é com pólvora. Mas nossa artilharia é tão pesada que nossos corações já não batem, espancam.
Essa histeria, na qual todo mundo quer gritar mais alto, ainda vai acabar nos deixando surdos. É certo que cegos já estamos faz tempo. E nesse emaranhado de fios desencapados, estamos todos em curto, dando choques – estamos chocantes, chocados.
Nessa louca corrida, que não se sabe para onde, ou por quê, tenho a sensação de que marchamos rumo a um abismo, sem olhar para os lados ou conferir no mapa a direção. Um rebanho de desavisados, teimosos e orgulhosos. E, pior: enfurecidos.
Tristes são esses tempos em que o frio não vem dos ventos polares, e sim dos corações. Esses tempos em que não se estende mais uma mão sem antes pedir a face.
A sensatez virou um filho de quem todos querem ser pais e mães, mas ninguém quer sustentar.
Se existia luz no fim do túnel, deve estar cortada por falta de pagamento. E, um dia, os livros hão de contar o desfecho dessa aberração disforme que nós conhecemos por realidade.