Eles jamais dariam certo. Em algum momento, perceberam que haviam sempre sabido disso. Jamais ajustaram suas realidades, suas personalidades. Ao contrário de seus corpos, aqueles gênios nunca se gostaram, jamais se atraíram, sempre se bateram. Houve sempre um abismo entre o jeito dele e o jeito dela pra quase tudo.
Se a personalidade dele valorizava a independência, a dela sempre gritou por companhia. Se ele sempre meteu a cara e abriu caminho sem muito tempo pra pensar no que os outros achariam, ela sempre se envergonhou, parando pra pensar no que poderiam falar. Se ele aprendeu a encarar a vida como um menino feio encara, ela se rendeu ao encastelamento da sua beleza e, em algum momento, parecia não confiar mais tanto assim nela, mesmo que não dê pra acreditar muito nisso e nessa tal vergonha.
Ela se acostumou a precisar de alguém que mimasse, que cuidasse e que vivesse pra isso, que vivesse pra ela. Até aí, ok. Não seria esse o grande problema. O que matava é que essa tarefa parecia não ter prêmio ou objetivo. Ela nunca estava feliz, nunca havia estado. Ele entendia bem, é inquieto e um tanto descrente em relação a esse papo de felicidade. Mas ela é diferente, e parecia se recusar a deixar que a fizessem feliz, a menos que tudo funcionasse exatamente do jeito que ela queria, que ela sonhava.
Se os problemas fossem só a desconfiança, certa falta de jogo limpo e um certo vício em provocar ciúmes, tudo bem, mas parecia que para aqueles olhos grandes e lindos, só o amor e o cuidado não bastavam.
A demonstração da insatisfação e da infelicidade não motiva quem ama, muito pelo contrário, só fica claro que dentro daquilo que ela quer, ou acha que quer, ninguém conseguirá chegar, a menos que viva pra ela, do jeito dela.
Ela sempre viveu e demonstrou as vontades a partir de conceitos próprios. Mas os códigos de comunicação não entram na cabeça de qualquer um. Ele sempre foi prático. Sim era não. Não era sim. “Me deixe” era como um “continue aqui do meu lado”. “Te odeio, chega e some da minha vida” não eram o fim. Isso não parecia se tratar um problema só para um cara literal, mas sempre foi grave pra quem acredita no poder das palavras e procura pensar antes de falar. Há uma tremenda responsabilidade em um “eu te amo” ou “eu te odeio”, principalmente quando não pensados e mal colocados.
Ela não gostava de conversar sobre o que chateava quando estava triste, mas depois afirmava que o problema dele era deixar tudo pra lá. Sabe, é clichê sim, mas o problema não era ela, era ele. Talvez ele fosse prático demais, velho demais, cansado demais, beligerante de menos. Em algum momento ele realmente acreditou naquele papo deles lado a a lado e construindo algo juntos. Parecia tão verdade, mas ninguém saberia como seriam as coisas até que elas fossem vividas.
Ela acreditou nele, mas não existia trégua entre essas personalidades. Elas permitiam apenas que eles se sentissem constantemente infelizes um com o outro na maior parte do tempo. Ela valorizava muita coisa que pra ele não tinha grande valor; ele valorizava coisas que ela relativizava. E mesmo quando estiveram bem e felizes, mesmo quando curtiram o que tinham de bom e gostoso, ficavam (e ficaram) com a sensação de que nunca seriam, nunca foram e acabaram não sendo. No fundo, ele sempre soube que não seria o suficiente pra ela.
Distantes, os defeitos aumentaram, as necessidades se potencializaram e as brigas se multiplicaram. Talvez eles seguissem tentando até que não restasse mais nada, mas pareciam, mais do que nunca, indispostos e de saco cheio. Ela resolveu criar seus problemas sem o menor sentido pra ele. E parece que mereciam mais que isso. Ele precisava de alguém que corresse do lado dele. Sua grande chance demandava tempo, dedicação, suporte e estabilidade emocional, algo que sempre passou muito longe dessa relação. Ela… Ela precisava de tudo aquilo, de alguém que vivesse pra ela.
O tempo ensina as pessoas a aceitarem suas derrotas e compreender suas incapacidades. Hoje, ele só sabe que realmente não era suficiente para aquela menina linda.
Ele não a queria longe, mas não conseguia ficar perto sem querê-la demais, ainda mais. Não conseguia ter nada pela metade. Só que na verdade, eles nunca foram inteiros ao mesmo tempo em tudo isso.