De minha janela, vejo o ponto luminoso da janela da menina.
Todos os dias, às duas da manhã, o ponto se consome em meio à fumaça expelida de forma despretensiosa, quase desleixada, como se pudesse refletir sobre as verdades do mundo e encobrir as que não gostasse.
A menina não sabe que posso vê-la cá de minha janela, no prédio em frente, o que deixa a minha observação ainda melhor, eu gosto de observar a solidão dela, o jeito que ela pega o cigarro, firme, quase que um beijo raivoso de escrava do vício.
Se pudesse, eu pagaria pelas suas aflições, pela tristeza dela. Compraria entrada inteira para ver o filme que ela vê todos os dias naquela janela para a rua vazia, que faz ela se emocionar a cada vez que ele termina, se é que termina. Mal sabe a menina (ainda que eu não saiba sua idade) que a cena que ela protagoniza é mais triste do que a sétima arte pode fazer, e ao mesmo tempo tão bonita que eu não resisto a esse voyeurismo egoísta, próximo do sádico, me julgo às vezes.
Confesso, com certo embaraço, que faço trilha sonora para ela de vez em quando. Ligo o som do computador num volume só para meus ouvidos e encaixando as notas das músicas em cada virada de cabeça que ela dá, a cada respirada profunda olhando a Araucária. Já me peguei desejando que ela não fosse feliz, para que o meu filme sempre tivesse sequência. Soa egoísta, e de fato o é. Mas me sinto ligado à menina triste da janela e ao mundo que ela condena com os olhos.
Nem mesmo sei a raiz da sua dor, na verdade não importa. Sei que as lágrimas caem e são enxugadas imediatamente, como se aquilo fosse errado. Se ela soubesse a beleza desse momento, talvez chorasse de novo.
Às duas e meia, a janela se fecha. A luz da menina é quase sempre apagada (possivelmente, a de seu interior também), vejo os contornos do show com a iluminação urbana profusa do centro. No dia que se segue, a menina da janela permanece anônima para mim, talvez até já a tenha visto andando pela avenida, quem sabe. Prefiro assim. A magia se mantém.