Note-me agora. Observe as luzes brilhantes lá fora anunciando o espetáculo da minha própria vida. Compre antecipadamente os ingressos para assistir o ar entrar e sair dos meus pulmões. Veja como eu aprisiono os radicais livres enquanto desfilo pelos dias da semana proclamando a imortalidade dos meus atos e ideias.
Perceba-me agora. Reverencie meus milhões de talentos espalhados pelos filtros que escolho cuidadosamente entre uma depressão teimosa e um ataque de ansiedade periódico. Encare toda a ‘angelicalidade’ dos meus traços, meus pensamentos pontuais quase relevantes que, se não são capazes de transformar o seu dia, ao menos colocam seu coração pra bater mais devagar.
Reconheça-me agora. Celebre a superexposição da minha rotina como parte de suas maiores crenças. Alimente seu futuro com os planos que finjo concretizar no presente. Coloque minha voz em seus fones de ouvido e eduque seu cérebro para escutar apenas a melodia fantasiosa de minhas estendidas cordas vocais.
Adore-me agora. Sua devoção abstrata alimenta meu castelo de mentiras e faz meu reino vencer guerras que compro com as armas dos outros. Roubo suas palavras e gentilmente assino como se fossem minhas, carregando uma glória de falsidade que se encaixa perfeitamente numa agenda emocional alienada.
Encante-me agora. Impressione meus sentidos com toda a sua capacidade de entretenimento até que você se esgote e eu descubra outras formas de ser admirado. Minha existência só é valiosa quando tomo banhos de reconhecimento 3 vezes ao dia.
O que uns chamam de carência, eu chamo de sobrevivência. Existir sem ser cultuado é uma atitude vegetativa. Ainda que a maioria das adorações sejam mais rasas que uma piscina de mil litros, eu preciso de cada uma dessas preces para validar minha passagem discreta pela Terra.