Correspondência Pensamentos crônicos

Chove uma chuva triste

Escrito por Rose Carreiro

Chove uma chuva triste. As gotas que batem pesadas à beira do telhado fazem uma sinfonia desafinada e certeira. Um barulho áspero, assim como esse bolo de algo que magoa aqui, entre a garganta, o peito e o estômago.

Transborda o vão no quintal, que reúne a água até que ela já não caiba. Transbordam as lágrimas que surgem num sem fim de fios olhos abaixo. Escorrem com velocidade e se jogam no meu colo, encharcando as roupas e lavando uma ferida que nunca fecha.

Às vezes, o mais forte que consigo ser é reconhecer que estou fraca. É quando deixo a taça desse pesar se encher, até que não caiba nem mais uma gota, e que os sentimentos entornem.

Porque os momentos de trégua só emulam um céu bonito, que logo depois volta a se carregar e nublar o dia.

Tento não sentir. Sinto e tento não externalizar. Embargo até que me afogo e sei, mais uma vez, que abafar só me sufoca. Então, externalizo para tentar diminuir a dor do sentir. “Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir“, disse de uma forma mais bonita Fernando Pessoa.

Sentir me dói, com todos os sentidos. Do som intermitente das poças sendo atingidas por mais gotas que me pesa o peito ao gosto salgado que o chorar me deixa na boca. Sentir me dói, da cabeça aos pés. De dentro pra fora. Então, numa vontade de me esvair, me molho na chuva, mergulho no choro.

As costas das mãos enxugam com rudeza esse rio que não mingua e continua brotando dos olhos, embaçando as lentes, borrando o rímel, inchando as pálpebras. O zunido nos ouvidos vem das frestas das janelas e do coração. A boca seca, engolir arranha, falar machuca. Por isso, escrevo.

Escrevo sobre a chuva triste, porque é como a enxergo, como a ouço, como ela me atinge, como a percebo. Talvez ela seja um milagre, uma bênção, um alívio. Para os outros, em outros momentos, com outros humores. Mas, aos meus olhos molhados, ela hoje é só um espelho que reflete o que transborda em mim.

Sobre o autor

Rose Carreiro

Nascida num 20 de Outubro dos anos 80. Naturalmente petropolitana, com passaporte carioca. Flamenguista pé frio e expert em não se aprofundar em regras esportivas. Fã de Verissimo – o Luis Fernando – e Nelson, o Rodrigues (apesar de tudo). Poser. Pole dancer com as melhores técnicas para ganhar hematomas. Amadora no ofício de cozinhar e fazer encenações cômicas baratas. Profissional na arte de cair nos bueiros da Lei de Murphy.

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