Combato frases de efeito que não carregam o menor compromisso com ações práticas da vida real.
Descobri isso durante uma daquelas longas conversas que nunca tivemos, quando apenas encaramos um ao outro em silêncio, enquanto você tenta soprar o talharim enrolado cirurgicamente no garfo na esperança de não queimar a boca.
Meu repúdio à expressão-pergunta “qual foi a última vez que você fez algo pela primeira vez?” tornou-se cada vez mais evidente. Percebo em seu rosto uma interrogação tímida, como se desejasse entender meu ponto de vista sem precisar gastar sua preciosa saliva. Logo, apresso-me em responder mentalmente, numa comunicação que desenvolvemos de uma forma tão natural que deveria ser estudada por atores de seriados médicos:
_ Precisamos urgentemente mudar a forma com que as pessoas enxergam essa frase. Na realidade, ouso colocar uma versão mais verossímil dela. O correto seria algo como “qual foi a primeira vez que você fez algo pela última vez?”.
Você cerra os olhos, formulando um raciocínio breve. Aproveito pra continuar:
_ Admiro quem consegue encontrar a saciedade sem a necessidade de repetição. Quem aproveita a primeira vez em completude, sabendo que não precisa de outra oportunidade para estar inteiro.
Quando a última vez já está presente na primeira, existe o valor. O privilégio da intensidade sem o arrasto de uma esperança espalhada em pequenos futuros.
Não sei se aquilo fez sentido ou se sua expressão facial estava apenas aproveitando o tempero da comida, mas escolhi acreditar na verdade daquele sorriso.
Num mundo com quase nenhuma segunda chance, tudo o que precisamos é da primeira.
E última.