Amor é prosa Canto dos contos

Primeiras e últimas

Escrito por Brunno Lopez

Admiro quem consegue encontrar a saciedade sem a necessidade de repetição.

Combato frases de efeito que não carregam o menor compromisso com ações práticas da vida real. 

Descobri isso durante uma daquelas longas conversas que nunca tivemos, quando apenas encaramos um ao outro em silêncio, enquanto você tenta soprar o talharim enrolado cirurgicamente no garfo na esperança de não queimar a boca.

Meu repúdio à expressão-pergunta “qual foi a última vez que você fez algo pela primeira vez?” tornou-se cada vez mais evidente. Percebo em seu rosto uma interrogação tímida, como se desejasse entender meu ponto de vista sem precisar gastar sua preciosa saliva. Logo, apresso-me em responder mentalmente, numa comunicação que desenvolvemos de uma forma tão natural que deveria ser estudada por atores de seriados médicos:

_ Precisamos urgentemente mudar a forma com que as pessoas enxergam essa frase. Na realidade, ouso colocar uma versão mais verossímil dela. O correto seria algo como “qual foi a primeira vez que você fez algo pela última vez?”.

Você cerra os olhos, formulando um raciocínio breve. Aproveito pra continuar:

_ Admiro quem consegue encontrar a saciedade sem a necessidade de repetição. Quem aproveita a primeira vez em completude, sabendo que não precisa de outra oportunidade para estar inteiro.

Quando a última vez já está presente na primeira, existe o valor. O privilégio da intensidade sem o arrasto de uma esperança espalhada em pequenos futuros.

Não sei se aquilo fez sentido ou se sua expressão facial estava apenas aproveitando o tempero da comida, mas escolhi acreditar na verdade daquele sorriso.

Num mundo com quase nenhuma segunda chance, tudo o que precisamos é da primeira.

E última.

Sobre o autor

Brunno Lopez

Um ilustrador de palavras que é a favor de tudo que é do contra. Um publicitário que não faz propaganda.
Um otimista aposentado que dá um tapa nas costas da vida enquanto o resto do mundo a empurra existência abaixo.
Um compositor de letras cotidianas sob um violão desafinado.
Um desenhista de verbetes que tem muitas certezas sobre as próprias dúvidas e acredita que o amor não passa de um tapete mágico que sobrevoa as misérias humanas.