Divã-neando

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Escrito por Mayara Godoy

Na escola, sempre foi tão mais fácil saber se estávamos indo bem: era só alcançar a nota necessária. Na vida real, não é tão simples assim…

Quando eu era criança, eu fazia o tipo “CDF”. Eu gostava de estudar para tirar 10 nas provas. O 10 era a minha realização. Era a minha certeza de que eu estava indo bem na vida.

Quando saí da escola e fui para a faculdade, levei comigo essa obsessão pelo 10. Me esforcei muito e consegui diversos 10s, inclusive no meu TCC – 10 Com Louvor.

Até então, tudo na vida parecia ir bem – até porque essa era basicamente a minha única preocupação séria. Eu conseguia a nota máxima em boa parte das vezes, logo, significava que eu era uma pessoa que estava fazendo tudo certo, que estava no caminho certo, né?

Mas, após sair da faculdade e cair no “mundão”, eu nunca mais consegui me sentir “nota 10”. A realidade passou a ser bem mais difícil e, para piorar tudo, sem nenhum parâmetro em que eu pudesse me basear para saber se estava indo bem.

Na vida real, essa vida pós-escola, os desafios são diários e não tem ninguém pra dizer “parabéns, você atingiu a nota máxima”. Essa falta de critérios objetivos, essa ausência de referências palpáveis já me levou, muitas vezes, a crises existenciais e a uma constante sensação de fracasso.

Como eu posso saber se estou no caminho certo sem meus professores para me dizer “muito bem” ou “aqui você errou, precisa consertar”? A vida aqui fora é muito mais subjetiva e cheia de nuances e, mesmo que a gente tenha a consciência de estar tentando o nosso melhor, pode se sentir fracassando assim mesmo.

Já perdi as contas de quantas vezes eu me senti nota zero; de quantas vezes precisei ficar de recuperação nas provas da vida; e do quanto eu me sinto, na maior parte do tempo, reprovando vergonhosamente.

Mesmo quando tudo parece no lugar, aquele “10” me faz falta. Sinto saudade de ter onde me apoiar – nos meus 10s, no caso – para me sentir uma pessoa bem-sucedida. Sinto falta de poder comemorar cada uma das notas que encheriam qualquer pai e qualquer mãe de orgulho e fazer qualquer coisa para relaxar sem me sentir culpada por isso.

Hoje, o máximo que eu consigo é ter a sensação de que estou passando “por média”. Não me sinto mais nota 10 em nada. Nem no trabalho, nem nos meus relacionamentos interpessoais, nem nas minhas habilidades de gerir minhas finanças e de cuidar da minha casa, nem no cuidado com minha saúde e, nem mesmo, na capacidade de aproveitar meu tempo livre de forma satisfatória.

Mesmo quando eu avanço bastante na minha lista de afazeres, mesmo quando eu enfrento o cansaço e faço de tudo para me sentir produtiva, mesmo quando eu me dedico às pessoas e às minhas atividades com capricho e perfeccionismo… ainda assim, lá no fundo eu consigo ouvir uma voz me dizendo que eu nunca vou ser nota 10. Que, quando muito, eu devo me contentar com um 9.

Sobre o autor

Mayara Godoy

Palestrante de boteco. Internauta estressada. Blogueira frustrada. Sarcástica compulsiva. Corintiana (maloqueira) sofredora. Capricorniana com ascendente em Murphy. Síndrome de Professor Pasquale. Paciente como o Seo Saraiva. Estudiosa de cultura inútil. Internet junkie. Uma lady, só que não. Boca-suja incorrigível. Colunista de opiniões aleatórias. Especialista em nada com coisa nenhuma.

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