Divã-neando

Água

Escrito por Leitor / Leitora

A água é mais que um líquido, é chuva, é rio, é mar. A água muda nossos caminhos, mexe com nossa rotina e até nos faz escrever sobre ela.

Texto enviado pelo leitor Leandro Duarte

Água: insípida, inodora e incolor. Que grande bobagem!

A água é como a vida. Caótica! Muitas vezes, levando uma aparência de paz e tranquilidade em sua superfície, mas sempre caótica quando a observamos em profundidade.

A correnteza te leva de um lado para outro, ao seu bel-prazer. A ilusão de estar no controle do leme só revela o quanto somos incapazes de enxergar nossas próprias limitações. Não, não estou falando de destino e todo esse misticismo barato; falo sobre o caos, em sua forma mais bela. Imprevisibilidade.

A vida corre como a água, e por mais proativa que julgue ser, escorremos a vida através das valetas que o caminho apresenta – e são vários esses caminhos d’água. Eles se cruzam, se distanciam, se entrelaçam com outras valas, das mais diferentes origens, de acaso em acaso. Deslizamos por estes caminhos sempre com urgência, como quem tem pressa de chegar, mas sem fazer ideia do destino, apenas sonhando com o mar, mesmo imerso em lodo. Imprevisível, parceiro.

Mergulhando mais fundo, na escuridão das águas mais frias, encontramos escondidos os nossos verdadeiros monstros, não falo daqueles de ar fantasmagórico e grito estridente. Falo dos monstros verdadeiramente perigosos, aqueles que de perto se apresentam como espelho e emitem um silêncio que atordoa, imobiliza. Escondidos, esperam que nos falte ar e, acredite, é só uma questão de tempo, ninguém emerge dali, e se emerge já não é mais a mesma pessoa que mergulhou, é outra coisa. O canto das sereias se torna a cada ano mais atraente e temos saudade de quando os nossos demônios apenas murmuravam ao longe; agora, eles gritam ao pé do ouvido, babando.

A chuva é água nova, e por vezes cai com força, quase que com raiva, barulhenta e assustadoramente bela. Por vezes cai mansa e demorada, como quem pede calma e nos convida a olhar pela janela entre um trago e outro. Independente da forma, é água nova, mansa ou violenta. A água nova nos tira da inércia, nos faz correr até a marquise mais próxima, assumir outro ponto de vista, nos permite a escolha de fugir ou se deixar banhar. Não é à toa que crianças tomam banho de chuva. É muito mais fácil se banhar de água nova quando ainda não nos faltou ar. Ainda que faça alagar tudo que conhecemos, em cima de um colchão de ar boiando, se faz uma nova vida, ou ao menos uma nova temporada para amarrar as incertezas desse último episódio.

Insípida, inodora e incolor. Pensando melhor, até que faz sentido para a vida adulta. Seguimos despejando suco em pó industrializado e com alto percentual de sódio, para torná-la apenas suportável, e com sorte encontrar um outro copo suspenso para “brindar a vida meu bem”.

Nada se cria, nada se perde, tudo se transforma, disse aquele coroa francês. Esse uísque barato que bebo pode ter sido feito com a porra da água que um dinossauro mijou, deve ser por isso que eu invento essas merdas.

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Leitor / Leitora

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