Divã-neando Que beleza!

Riscado

Escrito por Rose Carreiro

O ritual de receber um novo riscado permanente na pele merece ser apreciado.

O momento crucial é o do stencil. Assumindo minha indecisão como uma falha advinda do signo – libriana, com muito gosto -, sofro para assumir que aqueles são o local e o desenho perfeitos. Mas eu confio na artista que me risca. Mando um: tá ótimo, vai! e fecho os olhos. Me entrego ao som do motor que vai me machucar levemente por minutos ou horas. 

Enquanto a máquina segue arranhando e tingindo a pele, o tremor que sinto nos ossos é um lembrete de que estou viva. Não há definição melhor pra esse momento do que “saber que estou sentindo”. É um prazer quase masoquista, confesso. Mas ali, sobre a maca envolta em plástico filme, não existe mais ansiedade. Não percebo o passar do tempo, não penso nas pendências e cobranças. Meu mundo é saborear a expectativa. 

Sou uma faladeira. Me deixaria tensa ter de ficar muda enquanto o vrum da maquininha me arranca sangue e me carimba. Então, na maior intimidade de quem está com um pedaço de pele à mostra e em oferta, converso sobre tudo com aquela que gosto de chamar de “minha tatuadora”. Divago e troco experiências, opiniões e faço piadas ruins com aquela mulher linda e talentosa que me decora, essa artista de 20 e poucos anos, cara de brava, mas que leva a tatuagem mais fofa de pinguins no braço direito.

Me olhar no espelho ao final é o prêmio. Enxergar minha nova versão estampada, e ir descobrindo aos poucos os detalhes, reparando as nuances, pensando no que tinha imaginado diferente, mas ficou ainda melhor no resultado. Observar o novo riscado é um ritual que gosto de praticar degustando a imagem aos pedacinhos. 

Ter o corpo tatuado pode se tornar um vício, um prazer, uma forma de expressar quem você é, o que sente. Pode ser uma forma de homenagear, de se fazer lembrar de alguém ou algo. Pra mim, é tudo isso, e também um pouco de abstração na vida: é dar um pouco dessa minha tela em branco pra receber a obra de arte de alguém, e carregar por aí aleatoriedades que podem não fazer sentido para os outros, mas que são cheias de significado e beleza pra mim.

Sobre o autor

Rose Carreiro

Nascida num 20 de Outubro dos anos 80. Naturalmente petropolitana, com passaporte carioca. Flamenguista pé frio e expert em não se aprofundar em regras esportivas. Fã de Verissimo – o Luis Fernando – e Nelson, o Rodrigues (apesar de tudo). Poser. Pole dancer com as melhores técnicas para ganhar hematomas. Amadora no ofício de cozinhar e fazer encenações cômicas baratas. Profissional na arte de cair nos bueiros da Lei de Murphy.

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