Meus maiores vícios são café e celular. Acompanhados, é claro, da insuportável mania começar qualquer diálogo com um “gente”, ou “deixa eu te perguntar”, ou – pior ainda -, com um “escuta”. Todos são alimentados devidamente para que permaneçam nada saudáveis e sejam um incômodo para quem convive comigo. Porém, depois de um longo período de ansiedade e estresse, uma crise de gastrite me obrigou a abandonar o café. Foi de cortar o coração, mas entre ter um órgão cortado no sentido figurado, e o outro doente no sentido literal, abri mão do meu néctar.
Quase entrei no vício dos analgésicos, pois aí foi a vez de a minha cabeça latejar diante da abstinência, mas sigo firme e forte – na enxaqueca e na falta de cafeína, o que me leva ao estado crítico quanto à minha dependência pelo smartphone. Talvez por temer que meu cérebro saísse da caixa e vazasse pelos ouvidos, falhei em me lembrar de levar comigo o carregador do celular ao sair do trabalho. E foi aí que eu tive de abrir mão do meu outro vício.
Só descobri que estava sem o cabo à noite, quando minha bateria já assinalava alarmantes 18%. Como nenhum iPhone dorme fora da tomada, o outro carregador da casa estava ocupado com o celular do meu bem, e só me restou desligar meu telefone.
Fui dormir lamentando não ter comprado um powerbank e refletindo se o mesmo vinha com um cabo extra ou se, na falta do meu carregador, não adiantaria de nada. Pensei no despertador, que não tocaria, mesmo sabendo que o meu relógio biológico da ansiedade sempre me acorda antes das 7h da manhã. Imaginei que poderia ter perdido o aparato, já que eu tenho também o péssimo vício de andar com o zíper da bolsa aberto. Cogitei colocar um alarme – inútil num telefone sem bateria – pra me lembrar de ligar para o bar onde eu havia ido à noite e indagar sobre algum um carregador órfão.
Obviamente, o sono custou a vir e, finalmente quando desliguei, sonhei que David Gilmour era um cachorro que falava inglês. Culpem a ansiedade, a enxaqueca ou a falta de café, já que no bar eu fiz figuração e só tomei água. E nem era saborizada.
Acordei sem precisar do despertador. Minha leitura matinal – dessa vez, no livro físico – foi a Teoria do Pinto, do Verissimo (comprovadamente, o único homem que consegue me fazer largar o celular). O café da manhã – que agora de café só leva o nome – foi acompanhado do silêncio de quem não tem uma timeline pra ler ou um podcast pra ouvir. Calcei minhas botas sem conferir se a previsão do tempo trairia minhas meias – o que não aconteceu, como meus pés gelados puderam atestar, e minha vizinha idosa reforçou a baixa temperatura avisando que estava muito frio quando saí na portaria.
É claro que não durou muito até que eu tivesse carga no celular e o vício de volta ao alcance das mãos, pedindo mais uma dose de Twitter ou Instagram. O café continua sendo objeto de desejo, e a enxaqueca ainda faz parte do meu show. No fim das contas, me entreguei ao telefone e às notificações que, confesso, têm grande parte na minha ansiedade e na minha gastrite. A crônica termina aqui, sem nenhum aprendizado ou lição de moral, mas essa não seria eu, se deixasse o relato passar.