Relatório de Evidências

Sprechen Sie Deutsch?

Escrito por Guilherme Alves

Tudo na vida tem uma razão de ser. Até as palavras enormes do idioma alemão.

Eu amo idiomas. Se pudesse, aprenderia todos. Comecei, como quase todo mundo, pelo inglês, mas o segundo que eu decidi estudar pode ser considerada uma escolha incomum: o alemão. Na época, havia uma história de que a economia da Alemanha estava crescendo, e, em breve, o alemão substituiria o inglês como língua universal. Embora esse não tenha sido o motivo pelo qual eu decidi aprender alemão, contribuiu para que bons cursos e professores estivessem disponíveis – já que as turmas eram sempre cheias – e, na minha opinião profissional, um bom material e um bom professor são imprescindíveis para aprender qualquer idioma.

Pois bem, o alemão não substituiu o inglês, e eu acredito que nenhum idioma jamais substituirá, por um motivo muito simples: o inglês é fácil. Ok, a pronúncia é complicada, mas o inglês, por exemplo, mal tem conjugação de verbo, não tem concordância de gênero, tem um único artigo definido, dentre outras facilidades que outras línguas não têm. O alemão, por exemplo, além de conjugação verbal igualzinho ao português (com os finais dos verbos mudando para cada tempo em seis pessoas diferentes), ainda tem três gêneros (masculino, feminino e neutro) e uma coisa chamada caso (acusativo, dativo e genitivo) que muda as terminações das palavras. Ah, sim, e ainda tem aquelas palavras enormes que nós adoramos zoar.

Vejam bem, eu sou 100% a favor de zoar o idioma alemão, porque é engraçado mesmo. Mas hoje meu intuito é defendê-lo e dizer que aquelas palavras não estão ali por acaso. Pra começar, nem toda palavra do alemao é enorme; algumas, como Hund (cachorro), danke (obrigado), lecker (delicioso), schön (bonito), prima (fantástico) e Bier (cerveja) são até mais curtas que suas equivalentes em português. Além disso, nem toda palavra gigante é exatamente uma palavra só. O que acontece é que, em alemão, as palavras compostas são escritas tudo junto, ao invés de separadamente.

Por exemplo, a gente diz “relógio despertador”, os alemães dizem Weckerklingeln. Em português, “caixa de fósforos”, em alemão, Streichholzschächtel. Nossa “máquina de lavar louça”, na Alemanha, é a Geschirrspülmaschine. E a “apólice de seguros”, segurem-se nas cadeiras, é uma Rechtsschutzversicherungsgesellschaften. Se cada palavra tivesse um espaço depois, ninguém acharia tão esquisito.

Mas ainda acharia esquisito, porque o alemão ainda tem outra característica: ele odeia radicais gregos e latinos. Toda palavra que contém componentes nessas duas línguas acaba sendo “traduzida” para o alemão, o que faz com que ela soe bem diferente de outros idiomas. Por exemplo, “caneta”, em alemão é Kugelschreiber, que, traduzindo ao pé da letra, seria “escrever com uma esfera” – que nem o termo “esferográfica”, que não é tão estranho assim para nós. Vocês devem ter aprendido em algum momento que “hipopótamo” significa “cavalo do rio”, então em alemão ele é o Flusspferd, já que Fluss é “rio” e Pferd é “cavalo”. O mesmo acontece com o rinoceronte, que em alemão se chama Nashorn, o “chifre no nariz”.

Isso acabou “respingando” até mesmo em palavras que não têm radicais gregos ou latinos, mas que foram formadas através de palavras estrangeiras. “Hospital”, em alemão, por exemplo, é Krankenhaus, sendo que krank significa “doente” e Haus é a casa, então o hospital é a “casa dos doentes”. Schaft significa “eixo”, wissen significa “conhecimento”, e natur é “natural”, então, Naturwissenschaft, o “eixo do conhecimento natural”, nada mais é do que a nossa “ciência”. Tudo faz mais sentido quando a gente sabe a explicação.

Portanto, vocês podem continuar zoando o alemão, mas agora mais instruídos. Só prestem atenção, porém, em uma coisa: ao contrário do que todo mundo pensa, o alemão não é um idioma “agressivo”; sua entonação ao falar não é diferente daquela usada em português ou inglês. Falar alemão como se estivesse com raiva do mundo pode deixar as palavras mais engraçadas, mas os alemães veem isso como desrespeitoso e até preconceituoso. Falar com um alemão rosnando e cuspindo pra cima dele é receita certa para acabar com qualquer brincadeira.

Sobre o autor

Guilherme Alves

Nascido numa tarde quente de verão no Rio de Janeiro, casado aparentemente desde sempre, apaixonado por idiomas (se pudesse, aprenderia todos). Professor de inglês porque era a única profissão que parecia fazer sentido, blogueiro porque gosta de escrever desde que a Tia Teteca mandava fazer redação. Coleciona DVDs, tem uma pilha de livros que comprou mas ainda não leu maior que uma pessoa (de baixa estatura) e um monte de jogos de tabuleiro que não tem tempo de jogar. Fanático por esportes, mas só para assistir, porque é um pereba em todos eles. Não se pode ter tudo na vida.

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