Correspondência

Pedaço II

praia de ipanema
Escrito por Rose Carreiro

A dor que virou um pedaço de mim agora se metamorfoseia em uma falta. Aquela cantada por Djavan, o pedaço do coração de quem ama. E é sem esse pedaço que os dias acontecem, que as noites chegam em horas curtas de pausa. 

Mesmo faltando um pedaço, eu saí e fui ver o mar. Me deitei na areia, sentindo o ardor do sol nos ombros, e me debrucei pra ler um bom livro. Foi sem esse pedaço que entrei na água, deixei as ondas me acertarem as coxas, molhei as mãos e refresquei a nuca, um batismo do ano novo. 

Mesmo faltando um pedaço, eu voltei à livraria onde vi Alceu de perto e tinha você do meu lado para registrar o momento. Faltando um pedaço, mas com a Aline, minha pessoa, almocei por ali, folheei os livros e tentei não pensar em você naqueles corredores. 

Mesmo faltando um pedaço, levei meu coração partido pra esse passeio, caminhei pelas calçadas de Ipanema. Conversei sobre as vitrines e o clima, tomei um café com chocolate na loja que eu gosto. 

Mesmo faltando um pedaço, vi os fogos de artifício no céu da Praia do Flamengo, enquanto descia do carro para o aterro, onde eu também havia estado com você antes, e também tentei não pensar em você ali. Falhei e te escrevi.

Mesmo faltando um pedaço, eu fui às compras. E à academia. Eu revi Druk, o filme que você descobriu e que a gente viu juntos no mesmo sofá, em outra casa. Ouvi Anathema de novo achando que, dessa vez, conseguiria não chorar. 

Mesmo faltando um pedaço, nesses últimos dias, ganhei colo e companhia. E fui grata por isso. Não me senti sozinha, só me senti faltando um pedaço.

Eu ri, passei café, cozinhei – e ainda levo jeito, bebi até ficar ébria, andei pela Lagoa de ressaca, fiz fotos. Brinquei com as gatas. Fui ao médico pra fazer aqueles exames 3 anos depois, finalmente. Liguei pra minha mãe e fingi que estava tudo bem. Não pude evitar chorar em público, e em seguida, achar graça disso. 

Falei de você. Pensei em você. Mas também falei muito de mim e pensei muito em mim. Listei, como pede janeiro, resoluções que são só minhas, hábitos que só eu posso mudar. Tentei recomeços que são só meus. Planejei realizar sonhos que só me pertencem. Vivi e cuidei de mim.

Mesmo faltando um pedaço. 

Sobre o autor

Rose Carreiro

Nascida num 20 de Outubro dos anos 80. Naturalmente petropolitana, com passaporte carioca. Flamenguista pé frio e expert em não se aprofundar em regras esportivas. Fã de Verissimo – o Luis Fernando – e Nelson, o Rodrigues (apesar de tudo). Poser. Pole dancer com as melhores técnicas para ganhar hematomas. Amadora no ofício de cozinhar e fazer encenações cômicas baratas. Profissional na arte de cair nos bueiros da Lei de Murphy.

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