Relatório de Evidências

Mais do mesmo

Escrito por Mayara Godoy

Limpar a casa, cozinhar, trabalhar, escrever, ver televisão e… que dia é hoje mesmo?

Há mais de 60 dias que, segunda-feira, sexta ou domingo, tanto faz. Os dias são todos iguais.

Com o isolamento prolongado, às vezes parece que a gente perde a noção do tempo – e até do espaço.

Outro dia, desci para levar o cachorro fazer xixi e me peguei admirada olhando para um prédio que está sendo construído aqui ao lado. “Que grande”, pensei. É como se o mundo lá fora, de repente, tivesse ficado tão vasto, tão aberto – muito diferente das paredes pelas quais estou cercada 24 horas por dia.

Até mesmo alguns hábitos que eu jamais tivera, agora adquiri. Como o de ligar a televisão só para ficar ouvindo o noticiário enquanto faço outras coisas. (Não recomendo, aliás).

Sexta-feira não tem mais o mesmo gostinho de liberdade, daquelas pequenas transgressões a que a gente se permite no fim de semana: beber um pouco mais, dormir mais tarde, não ter hora para acordar no dia seguinte. Hoje em dia, tanto faz. Vamos ver qual a live do dia no YouTube e terminar essa garrafa de vinho. Sextar ganhou um novo significado. E ele é bem insosso.

Eu só consigo diferenciar os dias da semana pois, de segunda a sexta, tem o home office. Mas, terminar o trabalho também não tem mais o mesmo sabor. Aquela sensação de “sair da firma e ir para casa descansar” não existe mais. Tecnicamente, eu só saio da cadeira e vou para o sofá, ou para a cozinha, tudo ao alcance de menos de dez passos.

As conversas com as pessoas são todas pelo WhatsApp, ou pior, pelas terríveis videoconferências – há quem ame, mas eu não faço parte deste grupo.

A essa altura do campeonato, até o Spotify parece que já se cansou de mim. E o catálogo da Netflix ficou ainda mais tedioso.

Quando todos os dias são assim, tão insuportavelmente iguais, eu começo a pensar que talvez a minha geração tenha crescido muito mimada e cheia de estímulos, mas a verdade é que fazer de tudo para meramente sobreviver é chato demais.

Mas, se tem algo de positivo que podemos tirar de tudo isso é que muita gente aprendeu a fazer pão.

Sobre o autor

Mayara Godoy

Palestrante de boteco. Internauta estressada. Blogueira frustrada. Sarcástica compulsiva. Corintiana (maloqueira) sofredora. Capricorniana com ascendente em Murphy. Síndrome de Professor Pasquale. Paciente como o Seo Saraiva. Estudiosa de cultura inútil. Internet junkie. Uma lady, só que não. Boca-suja incorrigível. Colunista de opiniões aleatórias. Especialista em nada com coisa nenhuma.

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