Pensamentos crônicos

Algoritmo

Escrito por Mayara Godoy

Tem coisas que nem eu sei sobre mim mesma. Mas o algoritmo sabe.

Com base no que você ouviu recentemente. Sua mixtape semanal. As músicas que você não para de ouvir. Álbuns selecionados de acordo com seu gosto musical. Lançamento da sua banda favorita.

Recomendados para você. Porque você gostou de… Nova temporada da série que você acompanha. 96% relevante com base nas suas últimas avaliações. Assista agora. Para maratonar no fim de semana.

O Spotify sabe tudo que eu ouço. E o que eu gostaria de ouvir. A Netflix e a Amazon Prime me recomendam filmes, séries e documentários semelhantes ao que eu acabei de assistir. Anúncios na timeline me mostram produtos parecidos com o que eu pesquisei. E itens que combinam com estes. E me sugerem coisas que eu nem sabia que queria comprar.

O Google sabe onde eu moro, onde eu trabalho, que caminho eu faço diariamente – e me indica qual a rota com menos trânsito. Também me mostra quantas horas eu passei dentro de um carro no mês, e quantos km eu caminhei a pé.

Os álbuns de fotos reconhecem meu sobrinho desde que nasceu, e às vezes recebo até um videozinho pronto com uma animação e uma trilha sonora. Minhas imagens na nuvem já são organizadas por data e local em que estive.

O Instagram me sugere seguir pessoas que acabei de adicionar no WhatsApp. E o Facebook me mostra estas mesmas pessoas como sugestão de amigos. O Twitter coloca em destaque na minha tela os tuítes mais importantes das pessoas com quem mais interajo. Um teste de coordenadas políticas me diz que me enquadro no espectro do socialismo libertário. E o YouTube monta uma playlist inteira de assuntos relacionados à bicicleta.

Esses robozinhos passam 24 horas por dia coletando meus dados, aprendendo sobre minhas preferências pessoais, meus hábitos de consumo, e alimentando essa entidade monstruosa que conhecemos como Big Data. A sensação às vezes é a de que toda a nossa vida está ali, nessa grande nuvem, nesse colossal conglomerado de dados sobre cada um de nós, e que nada podemos fazer a respeito.

E, diante desse inescapável mundo tecnológico, em que os algoritmos mapeiam cada uma das minhas ações, dos meus cliques – e desconfio que até mesmo meus pensamentos -, me pergunto o quanto ainda sobra de livre-arbítrio. Será que eu realmente estou fazendo escolhas com base nos meus gostos pessoais, ou estou sendo manipulada e direcionada a escolher o que a grande inteligência artificial quer?

Ah… quer saber? Deixa pra lá. Pensar está dando muito trabalho ultimamente. Já que estamos todos na Matrix mesmo, deixe que os robôs façam isso por mim. E que me lembrem de comprar o amaciante que acabou.

Sobre o autor

Mayara Godoy

Palestrante de boteco. Internauta estressada. Blogueira frustrada. Sarcástica compulsiva. Corintiana (maloqueira) sofredora. Capricorniana com ascendente em Murphy. Síndrome de Professor Pasquale. Paciente como o Seo Saraiva. Estudiosa de cultura inútil. Internet junkie. Uma lady, só que não. Boca-suja incorrigível. Colunista de opiniões aleatórias. Especialista em nada com coisa nenhuma.

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