Divã-neando

Não deixe para depois

Escrito por Bruno Zanette

Não procure adiar aquele momento que você planejou com tanto carinho. Outros trabalhos podem vir, as pessoas que se vão, não.

Fazia tempo que eu estava tentando comprar meu primeiro carro. E consegui aos 27 anos, com muito esforço. Tinha consciência de que esse tipo de aquisição gera apenas gastos e não é um investimento. Mas era uma necessidade em um país com péssimo serviço de transporte público. Automóvel já começa a se desvalorizar no momento em que você o tira da concessionária. Mas comprei o meu usado, gastando quase todas as minhas economias guardadas desde quando comecei a trabalhar, perto dos 18 anos.

Após comprar o meu primeiro carro, vários pensamentos vieram à mente. Quais seriam os primeiros passeios, quem iria convidar para sentar no banco do passageiro, qual seria a primeira viagem. E eu planejava, no final daquele ano de 2016, viajar para o Rio Grande do Sul juntamente com o meu pai. Não haveria companhia melhor. Nativo do estado gaúcho, conhecia cada centímetro daquelas estradas que ligam Foz do Iguaçu a Erechim.

Estava tudo certo, não fosse um porém: o local onde eu trabalhava na época entraria em recesso por apenas duas semanas. Ok, daria tempo de viajar tranquilamente, não era uma distância muito longa. Mas, tradicionalmente na minha família passamos o Natal no Paraná e o ano novo, quando é possível viajar, em outro estado. Raramente abrimos mão do Natal em casa. A exceção foi o de 2018, quando eu, revoltado com a parentada bolsonarista, resolvi ficar longe de todos naquela ceia natalina revoltante, pós-eleição de Bostonaro.

Fato é que o retorno ao trabalho seria exatamente no dia 2 de janeiro, uma segunda-feira. Eu trabalhava em um jornal impresso semanal, em que a edição fechava na terça-feira. Portanto, se o jornal voltasse na quarta, dia 4, a primeira edição de 2017 só sairia na segunda semana do ano. Para mim, não teria problema algum, mas para os meus chefes parecia que sim.

Pensei em convencê-los a voltar, pelo menos eu, no dia 3. Só assim, eu pegaria a estrada de volta pra casa no dia 2 e não no dia 1º de janeiro após uma festa de final de ano que terminasse de madrugada. Embora eu ventilasse essa possibilidade, meu pai achou melhor não. Acabamos adiando para uma outra ocasião.

Ocasião essa que nunca mais ocorreu. No final de fevereiro de 2017, meu pai foi diagnosticado com câncer no pâncreas, já em estágio avançado. Só deu tempo de fazer alguns exames e uma cirurgia de emergência que agravou ainda mais a situação, após complicações. Nem teve tempo de fazer o tratamento adequado. No dia 29 de março, meu pai faleceu aos 68 anos e aquela viagem planejada com ele no meu primeiro carro ficou apenas na imaginação.

O conselho que fica ao final desse texto é algo que todos deveriam saber: não deixem para depois algo que você tem condições de fazer no exato momento. Bastava uma argumentação melhor com o pessoal de onde eu trabalhava, que acredito que seria possível pegar a estrada numa boa. Não os culpo por quererem voltar ao expediente na data que voltaram. Eu também não poderia imaginar os dias sombrios que viriam a seguir, já que aquela foi uma doença silenciosa.

Sobre o autor

Bruno Zanette

Jornalista nascido e formado em Foz do Iguaçu-PR. Adora falar e contar histórias, por isso o rádio foi veículo onde mais trabalhou. Mas é na escrita onde costuma se expressar melhor. Gosta de um bom rock, livros, filmes e esportes (assiste bem mais do que pratica). Torce e sofre pelo Grêmio, não exatamente nessa ordem. Apesar de bem-humorado, gosta de piadas de humor bem duvidoso, e acha que a melhor maneira de rir é de si mesmo. Por isso, acredita que a própria vida poderá servir de inspiração para boas crônicas e contos. E tudo o mais que vier na telha para escrever.

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