Divã-neando Pensamentos crônicos Relatório de Evidências

Autossabotagem

autossabotagem
Escrito por Letícia Nascimento

Enquanto muita gente vive por aí temendo os males externos, tem quem saiba que sua maior algoz habita em si mesma.

Algumas pessoas passam a vida inteira temendo as outras: mau olhado, inveja, boneco de vodu, assalto, energia pesada, traição, atropelamento, sabotagem. E dessa forma se enchem de amuletos, preces e esperança de serem poupadas, dia após dia, de sofrimentos causados por outrem.

Eu quase não tenho esse problema. Temo, sim, levar uma rasteira de alguém que amo ou cruzar a rua no momento errado, mas tenho muito claro quem nesta vida é o meu maior inimigo: eu mesma

E não me vejo como aquela inimiga que tem como obsessão acabar com a vida da rival, mas aquela que aos poucos vai atingindo esse objetivo sem precisar se esforçar. 

Eu sou aquela inimiga que não sabe que odeia a antagonista e, portanto, não faz planos mirabolantes para lhe causar sofrimento, apenas não faz nada para colaborar com seu bem-estar. 

Indiferente e alheia, como se visse a adversária presa em uma gaiola, morrendo de sede e fome, e passasse reto mesmo estando ao lado de uma fonte e de uma macieira. 

E não seria a indiferença a maior das declarações de desamor?

Me saboto muito.

Sei que preciso dormir cedo, fazer a higiene do sono e bloquear estímulos visuais e sonoros antes de ir pra cama. Viro noites acordada.

Sei que preciso fazer exercícios físicos para inventar uma serotonina que meu corpo não produz sozinho. Me deito no sofá. 

Sei que preciso organizar minha rotina para ter mais tempo para me dedicar às coisas que realmente me dão prazer. Procrastino.

Sei que preciso melhorar minha alimentação – incluir frutas, saladas, cortar a Coca e o açúcar em excesso. Peço hambúrguer e cookies quentinhos.

Sei que preciso vencer a síndrome de impostora que habita em mim, escrever mais e lançar meus textos no mundo. Jogo um trocinho qualquer no celular.

Sei de muitas coisas que preciso fazer e escolho, cotidianamente, o não saber. O não deu tempo, o não lembrei, o não consigo.

Me saboto como se me odiasse, como se não fosse necessário pensar em mim. Quase sem perceber, quando vejo, já foi, já fui, já me perdi de novo.

Algumas pessoas passam a vida inteira temendo as outras. Eu sou aquela que deve ser temida. 

Sobre o autor

Letícia Nascimento

Jornalista por formação, redatora por rotina, roteirista de alma, deseja um dia ter a audácia de se intitular escritora. Ama bebês, cachorros e fofuras em geral. Cinéfila que assiste de tudo, viciada em séries e leitora apaixonada. Possui todos os distúrbios possíveis do sono, luta contra a ansiedade crônica e a fibromialgia com humor e acidez. Parece jovem mas joga gamão nas horas vagas.

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