Cantinho da Leitura

Páginas encantadas

Escrito por Juliana Britto

O tempo passa, as tecnologias avançam, mas livros continuam contendo um componente mágico.

Quando eu era criança, não tínhamos dinheiro para comprar livros ou para viajar. Os livros que chegavam às nossas mãos de crianças curiosas eram apenas os livros da escola, e o nosso destino nas férias, quando tínhamos sorte, era a casa na roça dos nossos avós.

Naquela época, não sabíamos que o mundo era tão grande e assustador, a família nos protegia da vida real e, mesmo passando necessidades, éramos livres para sonhar. Eram sonhos pequenos, pois conhecíamos pouco do mundo. Danoninhos, banana real, macarrão com Kitut eram luxos que de vez enquanto distraíam nosso paladar do arroz com feijão e do pão com café. Quando a sorte nos tocava, fazer um bolo era um acontecimento e os meninos devoraram num instante o conteúdo da assadeira. Sempre perigava não sobrar nada para nossos pais que estavam no trabalho, e eu chorava, queria que eles vissem o meu trabalho de toda uma tarde, a massa fofinha e cheirosa e como ficara douradinho por cima.

Não me lembro de termos feito na infância nenhuma festa de aniversário e nem sequer um bolinho simples com vela. Somente depois de adultos e quando começamos a trabalhar que as festinhas surpresas começaram, bolos de cenoura com cobertura de chocolate e refrigerante eram o nosso auge.

Nossa mãe sempre gostou de ler, naquela época lia de tudo que lhe chegasse às mãos, livros geralmente emprestados por amigas, por minha tia, que era professora, ou trocados em bancas de revistas. Só quando era adolescente e minha mãe já trabalhava no hospital ela pôde comprar livros para mim. Foram tantos, que dava para contar nos dedos de uma única mão. Entre eles, O pequeno príncipe, de Exupéry, que tenho até hoje; Sinhá Moça, de Maria Dezonni Pacheco Fernandes, comprado em 1986 quando uma novela baseada no livro foi ao ar na TV.

Mas o livro que mais me marcou e até hoje me vejo, deitada na cama, lendo com angústia e curiosidade, foi Germinal, de Émile Zola. O primeiro poema que me fulminou foi lido num livro didático, O Bicho, de Manuel Bandeira. Não consigo explicar muito bem o que aquelas imagens mentais fizeram comigo, talvez, se misturavam a coisas que aprendia na Igreja sobre um Jesus que andava e se importava com os pequenos desse mundo como eu e minha família. A frase: “bem-aventurados os que têm sede de justiça ” era como dinamite implodindo algo que eu não compreendia muito bem.

Tinha uma biblioteca na escola pública onde fiz o Ginásio e o Segundo Grau (hoje Ensino Médio). Lá era meu paraíso. Mas não me lembro de ter levado algum livro sob
empréstimo para ler em casa, acho que nem sabia que seria possível. Eu gostava mesmo era de entrar lá, na hora das aulas vagas, e ler os livros que estavam sobre a mesa ou olhar fascinada as estantes.

Quando fiz faculdade, no início da década de 90, era um tempo difícil, muitas vezes faltava a grana até para o transporte. Eu era pequena e magrinha, mas sentia uma alegria e orgulho imensos em voltar para casa com os livros da biblioteca, me sentia uma Estudante, e isso era tão mágico aos meus olhos. Mesmo assim, me lembro também de sentir certa mágoa ao ver pessoas sentadas curtindo numa boa na Praça do Gil e nos bares que havia no entorno, enquanto tínhamos que dividir nosso tempo entre trabalho e estudos. Por que a diversão e o lazer não eram para pessoas como eu e os outros estudantes do noturno que lotavam aquele busu?

Hoje, quando emprestamos um livro para uma criança, penso na pequena que fui e no carinho que é alguém se importar tanto com o outro que esteja disposto a ceder um pouco de si para dividir e multiplicar a maravilha que é a leitura. Imagino que estamos dando um bilhete para uma viagem e já antevejo a aventura, os olhinhos ávidos percorrendo as páginas e descobrindo o mundo, pois ele é vasto e as coisas boas e belas também são para nós.

Livros ajudaram a mudar minha condição social, já posso comer e morar melhor, ainda falta grana para viajar para longe, mas já temos mistura na comida e posso fazer bolos e pães e dividir com quem chega, sem medo de ficar com fome.

Gosto de pensar que a biblioteca comunitária que estamos montando na zona rural será como um restaurante gratuito para alimentar a alma de todos que a visitarem ou um grande portal para viagens de todo tipo, nosso tapete voador.

Livros são mesmo mágicos, me ensinaram palavras misteriosas e raras como partilha, solidariedade, justiça social e esperança.

Sobre o autor

Juliana Britto

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