Cantinho da Leitura

Leia mulheres

Escrito por Letícia Nascimento

Lutar pelos direitos das mulheres passa, também, por valorizar a arte e a produção intelectual femininas.

Um dos motivos de termos um dia internacional para as mulheres é a oportunidade de celebrar nossas conquistas, valorizar nossos trabalhos e reforçar ao patriarcado que estamos lutando para destrui-lo de uma vez por todas. Me irrito muito com os “parabéns” e as frases clichês que romantizam a data, mas gosto muito de qualquer possibilidade de enaltecer outras mulheres. É mais um dia para percebemos como somos potentes e, de fato, invencíveis juntas.

Dito isso, hoje trago algumas dicas de livros maravilhosos de autoras fantásticas para ressaltar a importância da literatura feminina. Em 2019, me propus um exercício de ler apenas livros escritos por mulheres durante um ano, prazo que se estendeu por mais bons meses, e a minha fila de espera está ainda repleta delas – muitas brasileiras, senti falta de ler mais conterrâneas nos últimos tempos.

Fiz uma pequena seleção variada em estilos e temáticas, com alguns livros que amo. Aproveito para te convidar a comentar com mais livros, mais mulheres e mais dicas! 

Bagagem – Adélia Prado (1976)

Este é o primeiro livro de uma das minhas autoras favoritas, a poeta, professora, filósofa e contista mineira. Com o nascimento de Bagagem, Adélia passou a ocupar um espaço intelectual que não fazia parte de seu cotidiano de mãe, esposa e dona de casa. Isso reflete em todo o seu brilhante trabalho, que expõe com muita sutileza a complexidade do ser mulher. 

Com licença poética

Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
— dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.

Mulher é desdobrável. Eu sou.


Um teto todo seu – Virgínia Woolf (1929)

Neste ensaio ficcional, a autora britânica (minha favorita) expõe com maestria as dificuldades de uma mulher que almeja ser escritora. Ela apresenta um panorama histórico incrível de como o caminho literário sempre pareceu ter mais pedregulhos as mulheres, ao mesmo tempo em que nos instiga a entrar no hall daquelas que chegaram lá. Um livro de cabeceira para todas as entusiastas a escribas.


Redoma de Vidro – Sylvia Plath (1963)

Repleto de referências autobiográficas da autora norte-americana, é também o único romance de Sylvia Plath, consagrada por suas poesias. O livro, lançado semanas antes de sua morte, nos insere em uma narrativa que começa inofensiva e nos prende, quase como em uma armadilha, nos conflitos interiores da personagem principal. Uma prosa corajosa, elegante, atemporal e importantíssima ao falar sobre doenças mentais.

Hibisco Roxo – Chimamanda Ngozi Adichie (2003) 

Hibisco Roxo é uma daquelas obras que nos acompanham por muitos dias após a última linha. Eu diria, inclusive, que é uma dessas histórias eternas, que nos acompanham pelo resto da vida. Kambili, a personagem principal de uma vida de submissão, medo e frustrações, nos leva para o seio de uma família nigeriana temente a Deus e com um pai extremamente rígido. Você já pode imaginar o que vem por aí. Uma narrativa intensa, imensa em sua mensagem, que nos leva para nossas memórias e nos faz pensar na vastidão da existência, e em como o patriarcado e a religião desmedida são nocivos, principalmente às mulheres.

A amiga genial – Elena Ferrante (2011 )

Acho difícil alguém ainda não ter ouvido falar nesta italiana. Elena Ferrante e sua poderosa tetralogia, que se inicia com o brilhante “A amiga genial” possui uma narrativa única e pulsante, que nos faz mergulhar de cabeça na vida das amigas Lenu e Lila, e em muitas questões duras e ao mesmo tempo essenciais ao se pensar na existência feminina. Um dos melhores lançamentos da última década, em minha humilde opinião.

Sobre os ossos dos mortos – Olga Tokarczuk (2009)

A autora nos leva por um caminho místico e misterioso ao narrar uma história de medo, horror e violência e, ao mesmo tempo, de amor aos animais e à natureza. Com o brilhantismo de uma vencedora do Nobel de Literatura, Olga Tokarczuk, considerada uma das grandes vozes humanistas da Europa, é leitura essencial para quem quer mergulhar nas obras de grandes escritoras. Ela é imensa e sou uma grande fã!

E você, quais mulheres tem lido? Quem é sua autora favorita? Conta pra gente, nos comentários!

Sobre o autor

Letícia Nascimento

Jornalista por formação, redatora por rotina, roteirista de alma, deseja um dia ter a audácia de se intitular escritora. Ama bebês, cachorros e fofuras em geral. Cinéfila que assiste de tudo, viciada em séries e leitora apaixonada. Possui todos os distúrbios possíveis do sono, luta contra a ansiedade crônica e a fibromialgia com humor e acidez. Parece jovem mas joga gamão nas horas vagas.

2 comentários

  • Eu, que gosto de ficção científica e fantasia, recomendo Ursula K. Leguin (principalmente A Mão Esquerda da Escuridão, um dos livros mais sensacionais que eu já li) e Karen Soarele (A Deusa no Labirinto).

  • Muito bem lembrado. O clube do livro que participo começou com Bagagem, da Adélia Prado. Também estou tentando atualizar minhas listas com mais autoras, principalmente brasileiras. Recomendo Lygia Fagundes Teles, Clarice Lispector, Carolina Maria de Jesus, Conceição Evaristo, Ana Maria Gonçalves com o Defeito de cor. Tem ainda a Nélida Pignon, a Hilda Hilst etc. Adorei ler A redoma de vidro, da Silva Plath. A escrita é tão fluída, mesmo tratando de tema tão delicado. A Ferrante tá na lista de desejos faz tempo. Ótimas dicas.

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