Sem meias palavras

Durma enquanto eles trabalham

moça sentada na cama com um tapa olhos sorrindo
Escrito por Mayara Godoy

Além da positividade, a produtividade também pode ser tóxica. Descansemos!

Vivemos em uma época em que parar pra descansar virou sinônimo de preguiça. Que ter um burnout é romantizado, pois significa que trabalhamos até a última gota das nossas possibilidades. Que se você não for workaholic, acordar às 5h da manhã, tiver jornada tripla e ainda conseguir ser fitness, você é um fracassado.

A pressão pela altíssima produtividade, pela eficiência máxima, por currículos quilométricos está nos adoecendo. E não sou eu quem está dizendo. Dados da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (ANAMT) apontam que aproximadamente 30% dos trabalhadores brasileiros sofrem com a síndrome de burnout. A doença, inclusive, já é reconhecida e classificada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Atualmente, o Brasil é o segundo país com mais casos diagnosticados no mundo. 

Se isso não é muito grave, eu não sei o que é. Saímos de épocas em que os riscos ocupacionais eram relacionados a acidentes de trabalho e caminhamos para esta época em que nossas dores, nosso cansaço, nossa sobrecarga – e agora nossas doenças – são invisíveis. Mas, seus efeitos são devastadores.

Quem me conhece sabe que eu sou completamente anti-coaching e discursos motivacionais tóxicos, e o tema deste texto é só mais um dos motivos. Mas, percebo que – não na velocidade que deveriam – as empresas estão começando a se dar conta disso. Já existem pelo mundo iniciativas de encurtamento das jornadas de trabalho.

No meu ponto de vista, essa é uma medida muito lógica, por vários motivos. A saúde dos trabalhadores é o primeiro, evidentemente, mas existem outros fatores. Um deles é a produtividade. A essa altura do campeonato, todo mundo sabe (quem não sabe, na verdade só finge que não sabe) que obrigar as pessoas a bater ponto religiosamente no mesmo horário e segurá-las na frente de um computador ou em qualquer outro ofício oito horas ou mais por dia não é a receita da produtividade.

Pessoas infelizes, insatisfeitas e desmotivadas não produzem. Pessoas que precisam deixar suas vidas pessoais de lado para cumprir as metas irrealistas do patrão também não. Guardadas as devidas especificidades de cada profissão, já é ponto pacificado atualmente que flexibilidade é algo desejado e que – nos casos possíveis – trabalho remoto funciona e é preferível também. “Ah mas tem as pessoas que trabalham presencialmente etc e tal”. Sim, por isso que eu disse “nos casos possíveis”.

Fato é que, para não me prolongar muito mais, pois provavelmente enquanto lê este texto sua cabeça já está dispersando para outras tarefas ou compromissos, a gente deveria parar um instante e refletir sobre isso. Nosso trabalho deveria ser apenas uma parte das nossas vidas, e uma parte com um propósito bem claro, e não sequestrar as nossas vidas completamente.

Hoje li uma notícia sobre uma tendência chamada “short friday”, que consiste em encurtar o expediente das sextas-feiras. Eu espero que isso vire uma tendência – e, é claro, que nenhuma empresa use isso como pretexto para obrigar as pessoas a trabalharem mais ainda nos outros dias da semana. Espero e desejo que a gente tenha um olhar mais humano para as pessoas, e principalmente que a gente tenha um olhar mais humano para com a gente mesmo. Não caiamos na tentação de tentar nos comparar com os coaches do Instagram. Não entremos no discurso furado do “trabalhe enquanto eles dormem.” Meu ideal de vida, mesmo, é dormir enquanto eles trabalham. Sextou!

Sobre o autor

Mayara Godoy

Palestrante de boteco. Internauta estressada. Blogueira frustrada. Sarcástica compulsiva. Corintiana (maloqueira) sofredora. Capricorniana com ascendente em Murphy. Síndrome de Professor Pasquale. Paciente como o Seo Saraiva. Estudiosa de cultura inútil. Internet junkie. Uma lady, só que não. Boca-suja incorrigível. Colunista de opiniões aleatórias. Especialista em nada com coisa nenhuma.

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