Sem meias palavras

Por uma onda de resistência nos municípios

Escrito por Juliana Britto

O que estamos esperando? Ou, melhor: quantas mortes mais estamos esperando?

Para que serve a nossa indignação e as constatações de que estamos no mato sem cachorro, de que estamos vivendo no caos do obscurantismo e que toda a máquina pública para garantia do funcionamento do Estado brasileiro está desmoronada a olhos vistos, cujos efeitos perversos perdurarão por décadas?

Isso mesmo, o que o desgoverno está fazendo – e com sucesso – não será fácil de consertar. Dentre outras coisas, eles estão acabando com a indústria, a ciência e o meio ambiente brasileiros. Queira você acreditar ou não.

Saliento aqui que o desgoverno não age sozinho, os nossos empresários são os que mais apoiam as reformas destrutivas, legislam contra eles mesmos. Será que foram abduzidos e transformados em zumbis? Digo isso, porque é difícil entender a lógica de empresários que destroem os empregos e a renda da população que seria potencialmente consumidora. Talvez, eu exija demais do empresariado nacional, afinal, lógica não é matéria obrigatória na formação de muitos deles.  

Por aqui há, também, “educadores físicos” contra as medidas sanitárias. Sim, meus senhores e minhas senhoras! Pessoas que trabalham com saúde não entendem que a saúde não é algo isolado, que se consegue apenas com um bom nutricionista e levantamento de peso. Talvez sejam solidários com a solidão dos espelhos das academias. Falta exposição de corpos “sarados” por lá.

De que adianta saber que o patrimônio nacional está sendo vendido a preço de banana, e em breve retornaremos legalmente ao período colonial, em que não passávamos de uma grande fazenda e um garimpo a céu aberto?

Por aqui se matam índios, pretos, pobres e LGBTQIA+s como quem mata moscas. Somos especialistas em extermínio coletivo. O Nazismo perde para nossa tradição sistemática de acabar com populações inteiras sem nenhum, nenhum remorso mesmo, acreditem.

De que adianta sabermos que as igrejas, em sua maioria, estão pregando e vivendo de ódio, oferecendo a vida de seus membros em sacrifício vivo ao não protegê-los da pandemia? Parece que na Bíblia deles não tem a parte em que o povo de Israel fica trancado dentro de casa esperando a praga passar. É a história de um tal Moisés e a saída do Egito.

De que adianta sabermos que as pessoas comuns estão tão acostumadas a não ser cidadãos plenos que elas não entendem a necessidade de nos defendermos mutuamente? A morte sempre rondou de perto os mais pobres.  Ah! O que pode fazer na nossa cabeça a esperança de ser um privilegiado e dar um jeitinho nos problemas, contar com o amigo, do amigo, do amigo lá na repartição? Essa lógica funciona em caos hospitalar? Deus nos livre do pior. Amém.

De que adianta sabermos que a medicina no Brasil, assim como a educação, é vista pelo setor privado como uma mercadoria, onde a máxima é o lucro? E por isso, não se importam com as pessoas. Ser um médico negacionista da ciência (desculpem a redundância) deveria ser uma contradição, mas não é em terras tupiniquins. Por aqui tem Conselho de Medicina fazendo campanha contra o Lockdown.

Já descobrimos que o grande capital nem precisa dos trabalhadores, afinal, com tanto desemprego no mundo, os megamilionários ficaram ainda mais ricos, sobretudo, os bancos e os que controlam as tecnologias da informação. Nenhuma novidade nisso. O trágico é que em nosso país os pequenos empresários e fazendeiros acreditam piamente que são capitalistas. Mas, isso é outra história, digna de memes impiedosos.  

Então me pergunto: o que faremos com tanto saber e pouca prática social? Enquanto a gente fica paralisado discutindo picuinhas e nuances de brigas internas e análises políticas sofisticadas, o lado de lá está bem articulado e sabe o que quer, são altamente coerentes com seus princípios sádicos e não pararão enquanto sobrar pedra sobre pedra.

O que é que eu estou esperando que não faço algo? Não me junto com os parças e partimos para cima, de todas as formas possíveis e imaginadas? O que é que eu estou esperando? É hora de buscar aliados e sair para a luta, se a gente fugir o bicho pega, se a gente enfrentar o bicho foge. Comecemos pelos municípios em que moramos, é dali que precisa brotar a esperança.

17/03/21 Segundo ano da peste. Oficialmente já morreram de covid-19 no Brasil 282.127 pessoas e há 11.603.535 de casos ativos registrados. Os cientistas alertam que há grande subnotificação.

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Juliana Britto

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