Trata-se de um ritual noturno: um banho quente, a luz amarela da luminária acesa sobre a cabeceira, as cortinas fechadas. Coloco o smartphone no carregador e deslizo a tela para pensar em você. Abro o Spotify. Eu queria músicas calmas para me ajudar a dormir, depois de algumas semanas escutando Alles Club, você me falou de Sigur Rós.
Escolho o lançamento mais recente, já que sua indicação de álbum foi “qualquer um”. Não entendo uma palavra do islandês, mas cada letra é como um mantra que leva ao transe de um sonho consciente. O disco é ÁTTA, e, no timer, seleciono uma hora, o tempo em que espero que as faixas terminem e eu caia no sono.
O som triste e etéreo me faz prestar atenção, e a música me conecta a lembranças de você. A segunda faixa, Blóðberg, que diz coisas terríveis de uma forma linda, de acordo com o tradutor, não me remete à tristeza – ao contrário, me provoca um instinto doce, selvagemente delicado, levando minha mente por um cenário que não poderia ser mais familiar e íntimo: meu quarto.
Durmo de bruços, com o braço direito sob o travesseiro. Hoje, no cômodo, tudo é branco, como no cotidiano quase sempre é, dos móveis à roupa de cama. A gata de pelos longos, também branca, com suas manchas pelas costas, agora decide dormir na sala, numa trégua às madrugadas em que me faz insone com seus miados e exigências.
Acordo e me viro para o lado, e abro um sorriso ao ver que você ainda está aqui. Tenho vontade de acariciar o seu rosto, onde os pontos da barba grisalha começam a aparecer. Você abre os olhos e me encara. Sabe que o único tecido que separa minha pele da sua é o lençol emaranhado na minha cintura.
Me aproximo para beijar os seus lábios, passo a mão pelo seu tórax e me aconchego ao seu lado, com meu seio roçando em seu braço e apoiando minha coxa na sua. Você me diz, de um jeito bem particular, que eu te desperto. Respondo à provocação das suas palavras pedindo para sentir o seu corpo no meu.
Seu movimento é rápido, com um braço você me vira e no instante seguinte se aninha entre as minhas pernas. Não resisto a nada: estou presa sob o seu torso, sentindo o peso sobre o meu peito. Passo a mão pelos seus cabelos lisos, seguro a sua nuca enquanto você me encara. O verde dos seus olhos me diz o que vem a seguir.
Seu sorriso de lado, suas mãos nos meus braços, o encharque entre as minhas coxas. A faixa mudou, a melodia segue triste, mas aqui tudo é excitante e vivo. Você desliza, suave, entra em mim e o tempo para, assim como a minha respiração. Nossos quadris se mexem sincronizados, enquanto a música parece ganhar forma pelo ar, como se fazer amor fosse uma dança em que eu e você conhecemos naturalmente os passos um do outro, sem ensaio, e as notas giram ao nosso redor compondo uma obra de arte única.
Somos duas peças que se encaixam organicamente, uma cena com a trilha sonora perfeita, e cada frame poderia definir uma imagem paradisíaca, romântica, erótica ou divina.
Você acelera, meu coração dispara. Aumenta a força dos movimentos enquanto mantém a cadência do seu quadril contra o meu, ao que eu devolvo aumentando o volume dos gemidos no seu ouvido. A fricção dos nossos corpos, os pelos do seu peito contra meus mamilos, as minhas costelas elevadas enquanto você me abraça pela cintura e se enterra mais em mim.
Me perco na música, no seu cheiro, no seu olhar que atravessa o meu declarando o mais puro dos desejos. Me delicio no toque dos meus dedos pelo seu corpo, descendo suas costas quentes, me levo pelo som da sua respiração.
Fico perto de estar inconsciente quando uma corrente brota no meu diafragma e dispara ventre abaixo. O suor escorre por trás dos meus joelhos, e uma explosão solar faz nascer novos mundos junto aos espasmos que se criam sob o abdome.
Você me preenche de tudo, meu coração se enche de amor. Meus olhos se enchem de lágrimas. O ar se enche do aroma que surge da nossa fusão. Minha alma se enche de você.
O sono vem, você se vai, a música acaba. Durmo vencida pela vontade e pelo cansaço. Espero a próxima noite, a hora mais escura, o calor do chuveiro sobre os meus ombros, Sigur Rós no play novamente, desejando que um dia você de fato chegue e a gente encene esse filme pra sempre.