Casa Pensamentos crônicos

Voltar para casa

Escrito por Patrícia Librenz

Para cada um, “voltar para casa” tem um significado diferente. Qual é o seu?

larNo último final de semana de julho, dei-me a oportunidade de fazer uma terapia em grupo intensiva. Uma das coisas comuns entre todos os participantes (inclusive eu) era que, após aquele final de semana, todos viajariam para estarem com suas famílias. Alguns vieram a Foz só para aquela atividade específica e estariam, portanto, voltando para “sua base” depois do encerramento. Outros, como eu, apenas indo passear. Então, quando uma das presentes disse que também iria “voltar para casa”, um dos terapeutas pediu que refletíssemos sobre o que significava, para cada um de nós, “voltar para casa”. Na ocasião, fiz algumas anotações, como “rever”, “reviver”, “recordar”, “tomar fôlego”…

Eu queria rever meus familiares para unir forças antes do início do Mestrado. Então, passei 12 dias na casa dos meus pais. Espera… eu disse “casa dos meus pais”? Sim, isso mesmo. Por muitos anos, mesmo morando longe da família, eu dizia, nas férias, que iria “para casa” – agora, não. Eu não sei quando exatamente aquela casa que eu tanto amo, linda e aconchegante, com cheiro de amor, baunilha e chocolate, deixou de ser “a minha casa” e passou a ser “a casa dos meus pais”. O fato é que esta foi a primeira vez, em 16 anos, que me peguei pensando sobre isso (valeu, terapia!) e me referi a ela assim.

Antes da viagem, a expressão “voltar para casa” tinha um significado no meu imaginário. Voltar para casa era ir para Ijuí. Agora, tem outro: é voltar a Foz do Iguaçu. Por mais que eu ame minha família, por mais divina que seja a comida da minha mãe, por mais deliciosa que seja a cama dos meus pais, por mais maravilhosa que seja a companhia do meu irmão, por mais sensacional que seja assistir a um filme comendo a pipoca que meu pai fez, por mais incrível que seja rever todo mundo e saber que as pessoas sentem minha falta, por mais que se sentir querida e amada por todos seja gostoso, a minha casa não é mais aquela. Minha casa é esta. Foz do Iguaçu, definitivamente, é o meu lar. É a cidade que eu amo e onde eu escolhi permanecer.

Os amigos que esta fronteira me deu são pessoas fantásticas. O meu trabalho é maravilhoso e estou apaixonada pelo mestrado. A diversidade que se tem vivendo em uma cidade cosmopolita, situada em uma região trinacional, cheia de atrativos turísticos em um espaço tão “resumido”, sem dúvidas proporciona uma experiência de vida muito rica e trocas muito densas. Sim, essa união de fatores fez eu me apaixonar por este lugar tão rico e diverso culturalmente. Trabalhar com comunicação em uma universidade bilíngue, também.

Mas o que me fez sentir que este lugar é o meu verdadeiro lar não foi isso, e sim a relação que aprendi a ter comigo mesma, vivendo completamente sozinha no último ano – após tomar, portanto, pela primeira vez, as rédeas da minha vida e assumir, sozinha, total responsabilidade pelos meus sucessos e meus fracassos. Viver sem alguém ao nosso lado (sem família nuclear e sem companheiro)  nem sempre é uma decisão fácil, mas nos proporciona momentos incríveis com nós mesmos e um nível de autoconhecimento que, admito, é só para os fortes!

Então, o que significa, pra mim, “voltar para casa”? Significa sair e depois poder voltar para o meu cantinho e encontrá-lo do jeito que eu deixei, seja impecável ou com um monte de coisa fora do lugar, ter meu espaço com as minhas coisinhas simples mesmo (tudo menos bonitinho e menos estiloso do que na casa dos meus pais), mas que eu mesma escolhi, mesmo sendo na queima do “show room”.

Voltar para casa, é encontrar uma blusa de lã cheia de pelos, porque esqueci a porta do roupeiro aberta e o gato mudou-se para lá atrás do meu cheiro; é lembrar que o liquidificador (que não tem a jarra de vidro) está queimado, porque alguns dos meus eletrodomésticos são 110 e outros 220v – afinal, era o que estava em promoção na “Black Fraude” e poderia ser parcelado em 12 vezes sem juros; é ouvir Engenheiros do Hawaii na sala, deitada no sofá de pallets (que eu mesma fiz); é curtir o silêncio do meu quarto, com uma cachorrinha deitada aos meus pés durante a leitura de um texto teórico para a disciplina de Literatura de Viagem, e/ou ter um gato ronronando em cima da minha barriga, enquanto desfruto das companhias de Machado de Assis e Jorge Luis Borges no Kindle.

It’s my life. It’s my home sweet home. “Sou feliz agora”. Obrigada, universo! Obrigada, casa! Amo muito tudo isso.

Sobre o autor

Patrícia Librenz

Mãe de dois gatos, um autista e outro que pensa que é cachorro. Casou com um veterinário, na esperança de um dia terem uns 837 animais. Gaúcha no sotaque, pero no mucho nos costumes. Radicada em Foz do Iguaçu desde 2008, já fez mais de 30 mudanças na vida. Revisora de textos compulsiva, apaixonada por dicionários. A louca do vermelho. A chata que não gosta de cerveja. A esquisita que não assiste a séries. Dona da gargalhada mais escandalosa do Sul do Mundo. Mestra em Literatura Comparada, é fã de Machado e Borges, mas ignorante de Clarice Lispector e intolerante a Paulo Coelho. Não necessariamente nessa ordem.