Correspondência

Meu cachorro morreu! E agora?

Escrito por Patrícia Librenz

Só quem ama ou já amou verdadeiramente um cão sabe o quanto dói perder um amigo tão próximo. Eu tive a alegria de conviver com uma cachorrinha sensacional por pouco mais de 10 anos (embora a idade já inspirasse alguns cuidados, partiu cedo devido à gravidade de um tumor pulmonar).

A Envy era realmente incrível, quem a conheceu sabe que não é demagogia, sabe que não é discurso pronto, ela realmente tinha algo especial. Sempre foi muito tranquila, extremamente doce e encantadora. As crianças que temiam cães, perdiam o seu medo com ela; quem não era muito chegado a animais começava a cogitar mudar de ideia. Ela se dava bem com todas as pessoas, com todos os animais. Devido ao seu temperamento amistoso e sereno, foi voluntária em um projeto, atuando como cão terapeuta.

Envy foi realmente maravilhosa e fez uma grande diferença na vida de todos que tocou. Ainda não teve um dia sequer que a saudade não tenha apertado e hoje, no dia em que completa 2 meses de sua partida, resolvi vir aqui falar um pouco desta dor, deste luto. Ela morreu nos meus braços, no dia 9 de março de 2018, em frente ao prédio para onde havíamos nos mudado 2 dias antes.

Desde que ela adoeceu, muita gente veio falar comigo, pois sabiam o quanto ela significa pra mim. Resolvi, então, fazer uma lista das 10 piores coisas que se pode dizer a uma pessoa que acabou de perder o melhor amigo. São elas:

  1. Não fica assim, logo você arruma outro cachorrinho e essa tristeza vai passar!

Jamais fale como se um cão fosse substituir o outro. Se você não tem empatia com cães, pense em tudo o que não gostaria que alguém te dissesse caso perdesse um filho.
E não, a dor não vai passar. Cada animalzinho é único e ocupa um lugar especial em nossos corações, um amor não substitui o outro. Perder um cão é como perder um filho: não adianta você ter outro filho depois, a saudade daquele que partiu sempre vai estar presente.

  1. Mas por que tu gastou tanto se sabia que ela iria morrer?

Essa pergunta é bem cretina, né? Mas, acreditem, mesmo assim teve gente que me perguntou isso! Além de ser de uma total falta de sensibilidade, fiquei com pena dos familiares desse ser humano, afinal, se receberem um diagnóstico de doença grave, pelo visto serão abandonados…

Mas mesmo sabendo que ela morreria em menos de 1 ano (foi bem menos, no caso: 4 meses!), no início do diagnóstico, o veterinário ainda não sabia exatamente com que tipo de tumor estávamos lidando (só no final de janeiro descobrimos que era um melanoma), ficava difícil dar um prazo mais preciso, só sabíamos que o prognóstico era bem ruim. Mesmo assim, eu quis dar qualidade de vida a ela. Não consigo pensar em eutanasiar um animal que demonstra alegria toda vez que chego em casa ou quando o levo para passear de carro. Ela gostava de viver, queria viver e queria ficar comigo mais um tempo. Quem vive muitos anos com um cão, aprende a entender o que ele quer, então se você está pensando agora que eu não tinha como saber o que ela queria porque os animais não falam, “PENSOU ERRADO!”

  1. Acho que você deveria adotar outro cachorro logo.

Nunca diga a ninguém o que você acha que essa pessoa deve fazer, a menos que seja questionado sobre isso diretamente.
Eu não julgo quem opta por fazer isso logo após a morte de seu animalzinho, mas acho que as pessoas são diferentes e cada uma tem seu tempo de elaborar seus lutos da forma como achar melhor. Então, muito cuidado para não omitir opiniões não solicitadas. Quem diz o que quer, pode ouvir o que não quer. Esteja preparado para ouvir algo desagradável também, nesse caso.

  1. Por que tu não abreviou o sofrimento dela?

Não fale sobre eutanásia, a menos que a pessoa pergunte a sua opinião sobre isso. A ideia da eutanásia é muito pessoal, para algumas pessoas é super natural e para outras é algo terrível. Respeite o que cada um pensa.

Para minha resposta, volte no item 2.

  1. Quando você vai adotar outro cachorro?

Volte duas casas: respeite o luto e o tempo de cada um.

  1. Mas é só um cachorro!

Sem comentários, né?
Desculpa, mas se em algum momento isso passou pela sua cabeça, esse texto não foi escrito para você, foi escrito para pessoas que já experimentaram o AMOR INCONDICIONAL de um cão.

  1. Você não a levava ao veterinário? Como você não notou nada antes?

Primeiramente, não faça com que a pessoa sinta-se culpada ou omissa, ela já está sofrendo bastante e não você não precisa piorar as coisas. Além disso, esses detalhes só dizem respeito aos tutores do bichinho.

Respondendo: Sim, eu a levava regularmente ao veterinário. Até o diagnóstico, no dia 4 de novembro de 2017, ela já havia ido ao veterinário 5 vezes só naquele ano. Muito mais do que muitos de nós vamos ao médico. Ela era muito bem cuidada, mas nem eu, nem as outras pessoas que conviviam com ela (incluindo meu namorado, que é médico veterinário), nem a médica dela percebemos qualquer alteração. A doença foi silenciosa e devastadora. O primeiro sintoma que ela apresentou foi notado por mim em um dia muito quente, quando a notei ofegante demais. Já era 18 de outubro de 2017 e o diagnóstico do câncer veio no dia 4 de novembro.

  1. Eu acho que tu não vai aguentar ficar tanto tempo sem outro cachorro.

Volte 5 casas.

  1. Câncer? Isso só pode ser da ração! OU… Nossa, câncer de pulmão!? Você fuma?

Volte 2 casas (e, não, eu não fumo, mas outra pessoa pode fumar e você seria bem escroto se a fizesse sentir-se culpada num momento de dor)…

E lembre-se que nem a medicina entende direito como funciona o câncer.

  1. Mas você nunca mais vai ter outro cachorro? Tem tanto bichinho por aí precisando de amor…

Eu poderia simplesmente dizer para voltar 4 casas, mas acho necessário mencionar que na hora do desespero, o sofrimento é tão grande que muitas pessoas falam mesmo que nunca terão outro cachorro, e depois mudam de ideia. Ou não (eu conheço pessoas que tiveram uma experiência tão dolorosa, que jamais mudaram de ideia).
O fato é que isso não é um problema seu. Se ouvir da pessoa “nunca mais quero ter outro cachorro/gato”, respeite sua dor; e se não ouvir, não pergunte, pois ainda pode ser cedo para ela conseguir digerir isso e uma pergunta assim pode machucar.

A minha resposta hoje seria: claro que um dia eu terei outro cachorro, não tenho a menor dúvida disso. Jamais passou pela minha cabeça não ter outro cachorro, apenas não quero isso AGORA.

Eu amo cães e uma casa é muito mais feliz com um peludo vivendo nela. Só estou dando o tempo que eu acho que preciso. Quando alguém rompe um relacionamento de 10 anos, não vai começar a namorar outra pessoa no dia seguinte se ainda estiver triste. Ninguém acharia isso saudável e pra mim funciona da mesma forma.

Quanto tempo? Não sei! Assim como não se pergunta a uma mãe enlutada quando ela vai engravidar de novo, o mesmo vale para mães de bicho. Só o tempo dirá.

Agora, diante de tantas possibilidades de dar uma bola-fora, você deve estar se perguntando: “Então, o que dizer para consolar alguém que está passando por isso? Será que o melhor é não falar nada?”. Não é para tanto, também não precisa fingir que nada está acontecendo… Existem coisas boas de se ouvir também, você pode optar por dizer coisas legais e reconfortantes ao invés de ser escroto, por exemplo. Tipo:

  1. Nossa! Sinto muito!

Não sabe o que dizer? O bom e velho “sinto muito” está aí pra isso…

  1. Tenho certeza que você fez o que era melhor pra ele/ela.

Nada traz mais paz e conforto ao coração do que a sensação de dever cumprido.

  1. Fique em paz, porque ele/ela teve a melhor dona do mundo e morreu sabendo que foi tão amada por ti quanto te amou!

Essa foi uma das coisas mais legais que ouvi (obrigada, Hellen)!

  1. Os animais dão um jeito de voltar pra gente!

Para quem acredita em reencarnação, pode ser muito bom pensar nisso… Mas se não conhece as crenças da pessoa, não se arrisque nesse terreno!

Por fim, como sempre, bom-senso e empatia são a chave: coloque-se no lugar do outro. Se mesmo assim não souber o que dizer, ofereça um abraço, mostre-se disponível para simplesmente ouvir. Um ombro amigo sempre será muito bem-vindo. No fundo, as pessoas só querem sentir que você se importa.

Só esteja preparado(a) para o caso de a pessoa se desmanchar em lágrimas na tua frente. Mesmo após 2 meses de luto, esta que vos escreve está fazendo isso neste exato momento e não sei por quanto tempo ainda será assim…

 

Envy, em 2015, aos 7 anos e meio.

Sobre o autor

Patrícia Librenz

Mãe de dois gatos, um autista e outro que pensa que é cachorro. Casou com um veterinário, na esperança de um dia terem uns 837 animais. Gaúcha no sotaque, pero no mucho nos costumes. Radicada em Foz do Iguaçu desde 2008, já fez mais de 30 mudanças na vida. Revisora de textos compulsiva, apaixonada por dicionários. A louca do vermelho. A chata que não gosta de cerveja. A esquisita que não assiste a séries. Dona da gargalhada mais escandalosa do Sul do Mundo. Mestra em Literatura Comparada, é fã de Machado e Borges, mas ignorante de Clarice Lispector e intolerante a Paulo Coelho. Não necessariamente nessa ordem.