Eu começo a trabalhar um pouco mais tarde, mas sempre enrolo horrores para sair da cama. É sempre a mesma coisa: o despertador toca várias vezes e enquanto isso, eu vou renegociando internamente meu horário comigo mesma. Mais cinco minutinhos e eu prometo acelerar o banho; mais 15 minutinhos e eu abro mão do café da manhã. E assim é minha luta interminável com o despertador, todas as manhãs. Geralmente dá certo e eu raramente me atraso, exceto quando tenho algum imprevisto.
Foi o que aconteceu no dia em que um dos meus gatos desapareceu. Como é sabido (está aí, na minha bio), eu tenho dois gatos… ou tinha, não sei mais. Um deles, o Gatão, é super pacato, e às vezes a gente até esquece que ele existe. O outro gato é o Aleph e, bem… o Aleph era o Aleph. Um gato meio cachorro. Ao mesmo tempo em que buscava a bolinha, gostava de tomar banho no chuveiro e, quando chegava do trabalho, ele estava me esperando na porta (ou na janela). Mas, quando eu pensava que ele era um cachorro, lá estava ele me desafiando, passeando por cima do rack, da mesa, do cooktop, dormindo dentro da pia e onde mais ele pudesse subir. Definitivamente, ele era um gatorro. O Aleph era tantas coisas ao mesmo tempo, que não foi à toa que recebeu o nome do objeto que, no conto do Borges, abarca toda a realidade do universo.
Tem algo que ele adorava fazer: sair correndo porta afora na hora que eu saía de casa. Embora eu soubesse que ele sempre tentaria esse truque, todas as vezes ele conseguia me pegar desprevenida. Mas, naquela manhã, ele foi muito mais rápido do que de costume. Quando meus olhos o procuraram, já não o encontrei. Como das outras vezes, olhei debaixo do carro. Esta brincadeira de esconde-esconde e pega-pega era uma espécie de ritual matinal nosso. Eu descobria o esconderijo, que, invariavelmente, era sempre o mesmo, e ele imediatamente voltava correndo para dentro de casa. Eu fechava a porta e saía para trabalhar. Mas, naquele dia, ele não estava lá. Fui até a rua e não o vi. Ao lado da minha casa, tem um terreno baldio, tomado pelo mato. Imediatamente, pensei que ele pudesse estar escondido. Não seria muito difícil de visualizar um gato branco em meio ao mato, mas, definitivamente, ele não estava lá. Comecei a avisar os vizinhos, pois ele poderia ter entrado na casa de alguém. Me preocupei porque existem muitos cachorros na rua.
Consternada, avisei meu chefe que eu iria me atrasar, pois meu gato havia fugido pela porta da frente. Até voltei para casa e o procurei em todos os cantos e debaixo de cada móvel. No quintal dos fundos ele também não estava, e por lá ele não poderia ter saído, pois é telado. Perguntei para algumas pessoas na vizinhança e ninguém visualizou nenhum gato branco de olhos azuis pelas redondezas. Depois de quase duas horas procurando, desisti… fui trabalhar, na esperança de que, ao longo do dia, ele reaparecesse do mesmo jeito de sumiu diante dos meus olhos.
No trabalho, uma amiga estranhou o ocorrido, mencionando o quanto estava surpresa pelo fato do meu gato ser tão tranquilão. Só mais tarde eu me dei conta de que ela deve ter imaginado que, seguramente, eu falava do Gatão. Voltei para casa e continuei atrás do Aleph. O procurei pela casa e o busquei pela rua, chamando o seu nome, em vão. Nem sinal dele.
Sentei no meio fio em frente à minha casa e chorei. Quando meu marido chegou em casa, levou um susto. Eu ainda estava com o rosto inchado e não pude conter mais lágrimas. Ele perguntou o que havia acontecido:
– O Aleph fugiu hoje de manhã e está desaparecido – respondi.
– Aleph? Quem é Aleph?
– Como assim, quem é Aleph, amor!? O nosso outro gato.
– Mas nós nunca tivemos outro gato! – ele disse.
Perplexa, abri minhas redes sociais, e não encontrei nenhum rastro da existência de outro gato. Mas, assim como no conto do Borges, eu sei que, de alguma maneira, o Aleph existiu…