Amor é prosa Canto dos contos Sexo é poesia

Até o fim

Escrito por Raphaela Lourenço

Só quem sabe o que é viver – e morrer – de amor já atingiu a plenitude.

Eu perambulava por um quarto escuro. Remexia meus cabelos molhados, e reparei na camisola branca amarrotada que vestia, e continuava perambulando. Sentia frio. Meus pés e mãos estavam gélidos e mal sentia meus dedos.

Me sentia vazia, meu coração estava descompassado, e eu continuava andando de um lado a outro, com os pés descalços marcando o assoalho sob meus passos. Algo não estava certo. Olhei para as paredes, depois para a janela, e vi uma foto sobre a cama. Recostei-me colocando as pernas para cima e fiquei observando-a. Acariciava a foto com meu indicador, sobre o rosto do homem que nela sorria, e o vazio dentro de mim aumentava progressivamente. – Meu amor… – Seu sorriso era acalentador. Sinto tanto a sua falta… – Pensei em onde ele estaria agora, enquanto me lastimava por um erro que não fui capaz de remediar. E esse erro acontece com todos, mais intenso para uns, menos para outros, porém um erro que todos se viciam em cometer. Amar.

Amor, paixão, que diferença faz, afinal? Essa pergunta rondou meus pensamentos várias vezes, e agora sei a resposta. O amor? O amor é pleno, é pacífico. A paixão é como um câncer, invasivo, percorre o corpo e corrói por dentro. Dá para senti-la pulsando forte, flutuando na corrente sanguínea. É intoxicante, como um veneno. Viciante como uma droga, e a sensação que resta é a vontade de querer tudo de novo, de novo e de novo. E então tudo vai mudando. Muda a percepção. Mudam os sentidos.

Os meus cinco sentidos mudaram no dia em que o conheci. O dia que conheci o homem que me fez completa e que também me levou a ruína. Aos olhos, o deleite do prazer de vê-lo. E quando os olhares se encontram, é como um oásis. É algo que invade e tira a respiração. Os ambientes mudam de aspecto. O que antes era desastre se encaixa na mais perfeita simetria, e por onde quer que vá, os olhos procuram o brilho do outro olhar.

Os olhos percorrem a silhueta, e gravam cada detalhe de cada expressão, de cada sorriso, de cada mínimo movimento, e buscam essa imagem em cada reflexo. Aos ouvidos, os sons à volta parecem diminuir, e tudo o que captam é o som da voz. Ouvi-la é quase estarrecedor. O tremor sentido pelo corpo é como um trovão, que estremece, imobiliza.

Os sussurros arrepiam os pelos da pele, o coração é levado ao descompasso, e o chão desaparece bem abaixo dos pés.

Como queria poder ouvir tua voz sussurrando em meu ouvido de novo, meu amor. Ao olfato, o perfume. O cheiro inebriante da pele, que parece penetrar as narinas e simplesmente não conseguir mais sentir qualquer outra essência. A mesma fragrância sentida quando o nariz percorre suavemente a base da nuca e apenas inala o doce aroma.

O hálito… O perfume que emana dos lábios, que lhe é particular e peculiar. Ao paladar, o gosto do beijo. O beijo que tira de órbita, que consegue parar o tempo no relógio apenas para que nunca termine. O sabor dos lábios se tocando, das línguas se entrelaçando, o êxtase do universo flutuando à volta.

Por mais que se tente não reviver o beijo, a textura dos lábios aveludados fica tatuada, como se as bocas jamais tivessem se desencostado. Ao tato, o contato, o entorpecer físico. O toque, o abraço forte que aproxima os corpos e faz a respiração se intensificar. O choque da pele contra pele, o percorrer dos dedos pelo rosto esculpido, o terno afagar dos cabelos, e perceber que não há mais controle ou saída quando o carinho termina em um beijo. E esse beijo é a droga mais viciante de todas, é tóxico.

E a perda de uma paixão é como os três estágios da morte – o desespero, a dor, a solidão.

O desespero incapacitante de não saber como prosseguir, agora que o mundo parece desmoronar. A dor que dilacera a alma e parece esmagar o coração até vê-lo virar cinzas. A solidão da procura, da busca incessante de achar partes do que falta em outro alguém e ter a consciência que jamais encontrará. E então vem o sentimento constante de que algo morreu dentro de você. Como uma parte vital que lhe fosse arrancada. Depois de se apaixonar, de sentir o desespero, solidão e a dor, resta ver o tempo correr. Ser capaz de contar quantos minutos o que mais se deseja está distante, e perceber que o fato do tempo não deixar de correr não vai amenizar o sentimento que te consome. Cada minuto leva um pedaço de você embora, e esse pedaço nunca é reconstruído.

E então, se dar conta de que a fase mais intensa da paixão nada mais é que o primeiro estágio do amor. E esse é o ponto onde já não há mais retorno.

Uma coisa aprendida: Não entre em um jogo onde você não tenha absoluto controle sobre as peças. O que começou como um jogo de sedução, terminou em uma roleta russa, e o tiro me atingiu à queima-roupa.

A primeira vez que o vi, algo adormecido despertou dentro do meu peito. Um desejo incontido, uma euforia, e eu o queria, não importava como. A troca de sorrisos, os olhares escusos, os leves toques que evidenciavam um desejo mútuo, e assim tudo começou.

A troca de olhares acabou se tornando mais frequente, os leves toques tornaram-se ousados, e inevitavelmente veio a entrega ao primeiro beijo. Um mundo novo começava ali, perdida naqueles lábios aos quais nunca havia provado igual ou melhor. Um beijo longo no início, intenso, provocador, e depois restava mergulhar em sua boca, e o mundo inteiro parava. As provocações indevidas eram as mais deliciosas. As peles que se tocavam escondido de todos os olhares, os dedos se entrelaçando… Posso sentir o toque das tuas mãos na minha pele fria, meu amor, lembro-me do formato delas e como elas deslizavam pelo meu corpo. Grandes, fortes. Gostava de te beijar, e quando os beijos se tornavam mais intensos, teus dedos percorriam minha nuca e se entrelaçavam em meu cabelo. Teus dedos o apertavam tão forte que me fazia suspirar, e então fincava minhas unhas nas tuas costas, sentindo você arfar alto, meu amor, e nosso desejo se misturava, transformando aquele momento em uma paixão tão intensa que já não tinha mais controle.

Cada dia era um erro, dando voltas em desacertos. Faz tanto tempo, meu amor… Tanto tempo…

Agora, esse silêncio que me ronda parece me enlouquecer.

O desejo incontido acabou onde sempre termina. Os beijos intensos levaram ao toque. Suas mãos me apalpavam, arrancavam minha roupa, agarravam meus cabelos e traziam meus lábios contra os dele ferozmente.

Respirando tão forte quanto podia, arranquei sua camisa. Eu olhava seu corpo e arranhando seus ombros, sentia me queimar por dentro.

Suas mãos deslizam pelas minhas coxas; eu me retorcia de desejo. E então, nus, me entreguei a ele, como se fosse a última vez. Sentindo sua respiração sobre meu rosto e nossas peles ardendo uma sobre a outra, fomos um só.

Naquele momento, percebi que não era mais um jogo. Porém faltava pouco para que ele puxasse o gatilho. Novamente me dei conta de como sentia frio, provavelmente por estar toda molhada. O vazio só aumentava, ali, presa naquele quarto.

Minha mente repetia minha realidade todo o tempo: o que para ele era um jogo, para mim era amor. Outra mulher era dona de sua vida e nada que eu pudesse fazer o faria me amar.

Como fui deixar isso acontecer comigo? Como um amor conseguiu me destruir dessa forma? Já não restava mais nada. Não sabia mais viver sem ele, e a dor de saber que teria de passar o resto dos meus dias sem poder abraçá-lo de novo, sem sentir seu toque, seus beijos, ouvir sua voz, era excruciante.

Eu perdera meu amor, meu coração, minha alma. Mergulhei em um poço de amargura, de solidão…

Era insuportável um mero segundo sem o amor dele. O amor que eu tanto esperei e continuo esperando, incansavelmente.

Caminhei até a porta do quarto. Me sentia tão fraca que mal conseguia caminhar. Foi então que ouvi vozes, próximas a mim, e não pude acreditar no que via. Parado, ali, de costas, meu amor… E não era o único. O que faziam aquelas pessoas espiando em meu banheiro?

Algo estava errado.

O que ele olhava?

Aproximei-me dele, e parando ao seu lado olhei para dentro da banheira e caí em meus joelhos. Havia uma mulher morta lá dentro, com seus braços para fora da água e os cabelos flutuavam sobre seu rosto. – Não… Não! NÃO! – O que aconteceu com ela? — Ouvi sua voz pesarosa, bem ali ao meu lado, e fechando os olhos apenas o ouvia. Como sentira falta daquela voz. – Ela estava definhando. Já não comia, não dormia, e com a quantidade de calmantes que tomava, o resultado foi uma overdose. Sinto muito. — Quem lhe respondia pouco me importava. Meus olhos não desgrudavam da mulher morta em minha banheira. Melhor dizendo, do MEU corpo morto na banheira.

– O que você fez? Por que fez isso? — Ele murmurava enquanto olhava meu corpo. Os lábios roxeados, a pele tão alva… – Porque não aguentei sem você, meu amor… – O respondia, sabendo que ele inevitavelmente não me ouviria. – Não consegui estar tão perto e ao mesmo tempo tão longe. Te ver e saber que eu era invisível a seus olhos. Conviver com a presença de outra mulher que acordaria em seus braços todas as manhãs, que iria te beijar, te abraçar e esta não seria eu. Por que não percebi que você era a mulher certa para mim a tempo? — Vi lágrimas escorrem por seu rosto, e parada bem ali a seu lado, toquei seu rosto, mesmo que ele não pudesse mais me sentir. – Meu amor… Se você não me amou em vida, vai me amar agora na minha morte. E eu não vou te deixar… Nunca mais. – Podia sentir seu cheiro, e cada vez que ficava mais perto via os pelos de sua pele se arrepiarem. Minha presença era iminente, e eu estaria com ele todo o tempo, e nada no mundo iria me tirar dali. O que acontece depois? Você se torna um espectro, consumido pelo assombro. E não importa para onde vá. Por todos os lugares meus olhos estarão à espreita. Não importa o quanto fuja, estarei bem atrás de você, como uma sombra.

E ficarei aqui, refazendo em minha mente o desenho do teu rosto, ainda sentindo o toque das tuas mãos, teu cheiro em todos os cantos, tua boca queimando sobre a minha, enquanto minha alma inundada pela solidão espera pela tua. E quando for insuportável de aguentar, buscarei um novo ponto de retorno. Um ponto que me leve novamente de volta para os seus braços, demore o tempo que for.

Aconteça o que acontecer, aonde quer que você vá, estarei bem atrás de você. Até o fim.

Sobre o autor

Raphaela Lourenço

Nascida em 1º de setembro de 1991 quando o rock era sensacional!

Cinéfila inveterada, rançosa por natureza, Felícia de gatinhos fofos, dramática como Emily Brontë, viciada em histórias de serial killers, jovial como Machado de Assis.

Militante de roupas plus size estampadas, sutil como um rinoceronte, escritora de literatura erótica, mas com muitíssima classe!