Divã-neando

Então é (quase) Natal

Escrito por Rose Carreiro

Então já é quase Natal, as lojas esfregam o fim de ano na nossa cara, e lá vem o dedo inquisidor de Simone apontando para nossa consciência e perguntando “o que você fez?”.

Enquanto eu e Carol subíamos as escadas rolantes do Shopping Aurora, incrédulas diante do clima de Natal já instaurado ao nosso redor, minha amiga de pronto me perguntou: não te dá um negócio ver tudo já decorado pro fim do ano? respondi instintivamente que sim, me dá. Porque, vendo ali árvores e luzinhas e bolas gigantes transparentes (e já imaginando minha decoração natalina de segunda mão amassada dentro de um armário), senti uma taquicardia. 

Após o choque ao ver o primeiro panetone fora de época no mercado — e depois constatar que a iguaria agora é comercializada o ano todo, para meu bel-prazer, qualquer observação da proximidade do fim do ano é um lembrete de como o tempo está escorrendo por nossas mãos, tal qual aquele monte de moedinhas que a gente resolve tirar na bolsa em frente ao caixa, e que saem voando por todos os lados do mercado, pra mostrar que a gente não tem o controle de nada nessa vida.

Talvez seja apenas o comércio com pressa em aquecer as vendas, considerando que vivemos tempos em que a Black Friday acontece apenas em 27 de novembro e já encontramos anúncios de promoções desde 31 de outubro. Ou talvez seja um sentimento comum da sociedade de que, se a gente já anunciar o fim do ano, ele acaba logo. Quiçá, seja só o mundo querendo despertar a nossa ansiedade e o sentimento de retrospectiva. Porque basta vermos luzinhas coloridas piscando e fitinhas vermelhas adornando embalagens de presentes para instantaneamente começarmos a refletir sobre como o ano voou e a planilhar promessas de ano novo x fracassos. 

A ameaça iminente de Simone perguntando “Então é Natal, e o que você fez?” nos obriga a listar tudo o que prometemos às doze badaladas do último Réveillon, com aquele espumante barato na mão e uma inacreditável dose de esperança no peito, e não cumprimos. Cuidar mais da saúde, ficar menos tempo no celular, fazer exercícios físicos (esse, pelo menos, eu estou cumprindo, na marra e na barra), praticar caridade, voltar a estudar, guardar dinheiro… só a minha Lista da Derrota 2019 já dá pra juntar uns 40 metros de rolo de papel de trouxa. 

Mas, antes que o ano de fato acabe, eu só espero que essa sensação de que estamos correndo contra o tempo passe. Que a taquicardia cesse e aquela fagulhinha de esperança volte a habitar nossos corações desiludidos por 2019. Que venha o impeachment, o meteoro, as Diretas Já ou a volta dos 47 membros dos Titãs (ou os 4 Cavaleiros do Apocalipse, o que for mais fácil reunir para um espetáculo memorável). Ou que, pelo menos, os ovos de Páscoa não surjam nas prateleiras antes do 31 de dezembro. 

Sobre o autor

Rose Carreiro

Nascida num 20 de Outubro dos anos 80. Naturalmente petropolitana, com passaporte carioca. Flamenguista pé frio e expert em não se aprofundar em regras esportivas. Fã de Verissimo – o Luis Fernando – e Nelson, o Rodrigues (apesar de tudo). Poser. Pole dancer com as melhores técnicas para ganhar hematomas. Amadora no ofício de cozinhar e fazer encenações cômicas baratas. Profissional na arte de cair nos bueiros da Lei de Murphy.

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