Sessão pipoca

Inacreditável

Escrito por Patrícia Librenz

A dica de série de hoje é Inacreditável (Unbelieveable), da Netflix. Uma série sensível e que trata de um problema bem real.

Sim, a pessoa que não assiste a séries está vindo aqui para falar de uma série (na verdade, uma microssérie) da Netflix – isso é, realmente, inacreditável. Mas não é (somente) por isso que escolhi esse título para o texto de hoje: o nome da série é Unbelievable. E, se eu estou indicando, podem acreditar que vale a pena – não porque eu seja o guru da sétima arte, e sim porque eu não tenho muita paciência para acompanhar séries (sou uma pessoa muito ansiosa, não sei esperar) e, quando começo, não consigo parar, fico igualzinha a um dependente químico. Como já entendi meu modus operandi, eu só assisto a séries curtas. 

Unbelievable tem uma temporada, de oito episódios (perfeita para você começar a maratonar em uma sexta-feira e terminar no domingo), e toda mulher deveria assistir (homens, também; mas mulheres, principalmente), pois a série trata de um tema muito sensível a todas nós: o estupro

O mais instigante é que a história é baseada em fatos. Trata-se de uma investigação policial acerca de um estuprador em série. Os casos aconteceram nos Estados Unidos (se não me engano, entre 2005 e 2011), e mostra a diferença de tratamento dispensada às vítimas conforme o gênero do investigador. Infelizmente, a série aborda uma realidade triste, mas que carece ser debatida: a de que os homens não se revoltam com o estupro tanto quanto as mulheres, pois (via de regra) o estupro não se trata de algo pelo qual os homens temem passar. Quem é homem, pode até temer por suas mães, irmãs, esposas… mas não é o mesmo do que sentir esse medo na pele. Isso fica explícito tanto na série quanto na vida real.

Assim, a investigação só vai pra frente quando duas mulheres (assessoradas por uma equipe formada, majoritariamente, por mulheres) de distritos policiais diferentes descobrem, ocasionalmente, semelhanças entre os casos de estupro que estão investigando. Além da atenção e do tratamento às vítimas dado por elas ser nitidamente diferente daquele dado por investigadores homens, envolvendo muita empatia e sensibilidade, a condução da investigação toma outras proporções e elas conseguem extrapolar sua jurisdição, conseguindo acionar a ajuda do FBI.

Nenhum policial responsável pelos casos anteriores sequer cogitou fazer um trabalho daquela dimensão. Todos eram homens. O nome disso que as acometeu, além da indignação e da competência, é engajamento, comprometimento, sororidade. Não é à toa que o caso vivou série, pois a investigação realizada por elas foi, realmente, digna de Hollywood e de se aplaudir em pé: inacreditável! 

Mas sabem o que é ainda mais inacreditável? Ver que estamos praticamente em 2020 e quase nada mudou no mundo em relação a esse tipo de crime; é inacreditável que mulheres violentadas sexualmente tenham que passar por tanto constrangimento e ainda enfrentarem o preconceito da sociedade, inclusive da polícia, como se estivessem inventando que foram vítimas de um crime tão bárbaro. 

Enfim, é uma história para se revoltar, chorar e, sobretudo, refletir sobre o quanto ainda é difícil (e desumano) ser mulher. Ao mesmo tempo, a série mostra o quanto mulheres podem ser tão boas quanto os homens (nesse caso, melhores) no trabalho. E dá até um gostinho especial de maligna felicidade quando o policial negligente do primeiro episódio, ao conhecer a investigação de duas mulheres determinadas, percebe o quanto o seu trabalho é medíocre e o quanto ele foi um merda. Homens policiais: assistam e aprendam!

Para finalizar, vou parafrasear um personagem da série: ninguém duvida de uma vítima de qualquer outro crime, seja se ela for assaltada ou tiver o seu carro roubado, mas quando uma mulher sofre violência sexual, a primeira coisa que se perguntam é: “será que ela está mesmo falando a verdade?”. Aí eu pergunto: por que culpar a vítima de um estupro ainda é tão natural?

Sobre o autor

Patrícia Librenz

Mãe de dois gatos, um autista e outro que pensa que é cachorro. Casou com um veterinário, na esperança de um dia terem uns 837 animais. Gaúcha no sotaque, pero no mucho nos costumes. Radicada em Foz do Iguaçu desde 2008, já fez mais de 30 mudanças na vida. Revisora de textos compulsiva, apaixonada por dicionários. A louca do vermelho. A chata que não gosta de cerveja. A esquisita que não assiste a séries. Dona da gargalhada mais escandalosa do Sul do Mundo. Mestra em Literatura Comparada, é fã de Machado e Borges, mas ignorante de Clarice Lispector e intolerante a Paulo Coelho. Não necessariamente nessa ordem.

1 comentário

  • Lembrei de um filme intitulado ¨Animais noturnos¨. Quase desisti de assistir logo no começo, pois era muito perturbador. Achei o filme muito bom, no final das contas. Mas acho que ainda hoje, continuo perturbado…

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