Sem meias palavras Sessão pipoca

Coisa Mais Linda: um dramance

Escrito por Rose Carreiro

A intenção de Coisa Mais Linda é evocar a sororidade e trazer à tona alguns temas de discussão que ainda resistem ao século XXI: preconceito por gênero, racismo, família x carreira, submissão e objetificação da mulher.

Alerta: fiz das tripas coração pra não sair nenhum spoiler neste texto. Mas, caso você se sinta atingido, como diria João Gilberto, é preciso perdoar.

Fui pega por Coisa Mais Linda, a série nacional da Netflix lançada no último mês, com um teaser no Instagram. Sim, é aquele em que Adélia, a empregada doméstica negra, dá uma aula sobre “ser privilegiada” a Malu, a moça rica e branca que está diante da sua primeira grande privação na vida. A partir daí, praticamente engoli um episódio atrás do outro, então não esperem muita análise técnica, eu sou pura emoção.

Solta o teaser aí, Simone:

 

 

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Já parou para pensar nos seus privilégios hoje?

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Vendida como um drama de época, a série traz quatro mulheres como personagens principais vivendo o final da década de 50, e cada uma delas mostra alguns dos dilemas e julgamentos sofridos pelas mulheres naquela sociedade. A intenção de Coisa Mais Linda é evocar a sororidade e trazer à tona alguns temas de discussão que ainda resistem ao século XXI: preconceito por gênero, racismo, família x carreira, submissão e objetificação da mulher.

A história se baseia em Malu (Maria Casadevall), que está prestes a abrir um restaurante no Rio de Janeiro com seu marido, quando descobre que ele sumiu, deixando-a sem dinheiro e sem restaurante. Transtornada, Malu quase provoca um desastre, quando é salva por Adélia (Pathy Dejesus), a empregada doméstica negra. Tratada como inferior por sua patroa branca, Adélia tem uma filha pequena e uma irmã mais nova, de quem cuida, enquanto seu marido ausente vive como músico na boemia carioca.

Também fazem parte desse quarteto Ligia (Fernanda Vasconcellos), amiga de Malu, que tinha o sonho de se tornar cantora, mas acaba se casando com um aspirante a político e se torna uma esposa submissa e que sofre violência doméstica. Sua cunhada, Tereza (Mel Lisboa) é intitulada pela própria Netflix como a prafrentex da trama. Tereza é bissexual, tem um casamento aberto, e trabalha em uma revista feminina, num tempo em que mulheres casadas só trabalhavam por necessidade, e editorias eram formadas basicamente por homens.

Nem vou falar dos personagens masculinos e secundários, ou haja parágrafo. Deixa eu logo dar meus dois reais a respeito da série, que poderia ter sido condensada num bom filme: o enredo de Coisa Mais Linda é interessante, a fotografia é linda, e o figurino seria um sucesso no meu guarda-roupas. Isso sem contar a trilha sonora, que traz todo o charme da bossa nova, criada àquela época. Mas, sempre tem um mas: é uma série água com açúcar. O drama se mistura com uns toques de romance de novela, alguns dilemas são o que poderíamos considerar como solúveis, e no fim do dia, Malu consegue tudo o que quer. Apesar de diálogos fortes e cenas marcantes, no decorrer dos episódios, o melodrama quebra a expectativa.

Não vou falar da atuação da Casavedall, que em muitos momentos chega a ser boba, talvez porque sua personagem queira ser a dona da banca, mas também é sonhadora e infantil. Faltou um pouco de dureza pra ralar a mão dessa moça jovem e bem cuidada, que de repente se vê sem marido e é deserdada. Malu consegue uma sócia, um empréstimo, um one night stand com o cara mais bonito da história, e ainda descobre seu talento para o stand up e diverte a plateia do clube de jazz – que ela consegue inaugurar -com seu discurso “sô foda”.

Aplaudo a produção pela pauta feminista e por mostrar o poder que as mulheres podem ter ao se juntarem e se ajudarem. Mas acho que já que é pra fazer sofrer, pode enfiar a faca e torcer. A fácil solução, que também se dá em dilemas das outras personagens, deixa a sensação de que poderia ter sido mais compatível com a realidade.

A aula dos privilégios de Adélia; a discussão sobre o mercado de trabalho para as mulheres; racismo, maternidade e aborto; o direito de uma mulher querer fazer o que quiser da sua vida – tudo isso é real e atual. Poderíamos ter tido uma overdose desses elementos, que não faria mal nenhum pra nossa sociedade. Como a série acaba abrupta e cruelmente, nos resta uma esperança para a próxima temporada. Feliz 1960!

Sobre o autor

Rose Carreiro

Nascida num 20 de Outubro dos anos 80. Naturalmente petropolitana, com passaporte carioca. Flamenguista pé frio e expert em não se aprofundar em regras esportivas. Fã de Verissimo – o Luis Fernando – e Nelson, o Rodrigues (apesar de tudo). Poser. Pole dancer com as melhores técnicas para ganhar hematomas. Amadora no ofício de cozinhar e fazer encenações cômicas baratas. Profissional na arte de cair nos bueiros da Lei de Murphy.