Que beleza! Relatório de Evidências

Beleza não tem nada a ver com autoestima

Escrito por Patrícia Librenz

A beleza é algo muito difícil de conceituar. Há muitos “gostos” e opiniões diferentes e nenhum consenso a respeito do que é belo. O que/ quem é bonito para alguns, para outros, não é. Contudo, para se chegar a um denominador comum nesta crônica, é necessário definir um “padrão de beleza”. Vamos nos ater aqui àquela que se aproxima ao que vemos em “catálogos de produtos”, aquele padrão de beleza clichê que a indústria da moda busca.

Pois bem, seguindo esse padrão, existem mulheres lindíssimas, que, como diria minha mãe, têm uma “beleza hollywoodiana”, mas cuja autoestima é um lixo e, não raro, aceitam muito menos do que merecem. Em contrapartida, existem inúmeras mulheres por aí que estão muito longe de se enquadrarem nesse padrão de beleza que a ditadura da moda vem impondo e, que, mesmo com seus quilinhos a mais, narizes nem um pouco invejados, sorrisos que jamais estampariam sequer a página do Facebook do dentista recém-formado do seu bairro, estão super em paz com seus corpos. O amor próprio, quando equilibrado, é saudável e precisa ser estimulado e trabalhado constantemente. Essa tal autoestima é uma plantinha muito frágil, que precisa sempre de cuidados e de rega constante, mas, magicamente, o seu crescimento deixa as pessoas até mais atraentes.

Vocês irão observar que se optou por trabalhar aqui com a autoestima feminina, porque, ao que tudo indica, os problemas de autoestima atingem mais o sexo feminino do que o masculino – esse é outro ponto interessante, pois a maioria dos homens parece não só estar com a autoestima em dia, como também, em muitos casos, descalibrada (uma coisa é a pessoa se amar e se aceitar, outra coisa é idealizar uma autoimagem que não condiz com quem ela é).

Isso tem um porquê: historicamente, a mulher é muito mais cobrada socialmente do que o homem, inclusive nessa tarefa de “ser bonita”. Além de elas terem que ser sempre lindas, ótimas mães e esposas, donas-de-casa primorosas e, com a modernidade, ainda têm de ser excelentes profissionais, sem deixarem de estar sempre belas, magras, lembrando de cuidar da unha e do cabelo, mas sem deixar os cuidados com a casa e a família de lado! Com tantas cobranças para que sejam boas em tudo, é muito comum que as mulheres sintam-se fracassadas, porque, adivinhem só? Ninguém é bom em absolutamente tudo.

Com isso, vem aquela sensação de não estarem atingindo às expectativas que os outros projetaram nelas e a ilusão de que não estão sendo boas o suficiente ou bonitas o bastante – pois o mundo sempre espera mais das mulheres. Junte a isso o fato de o Instagram, o Facebook e a grande mídia ostentarem imagens de corpos completamente irreais, e o estrago está feito. Mulheres não são fotografias, são seres humanos. Frequentemente viralizam em algumas redes sociais prints de indivíduos arrogantes e egocêntricos “à procura da mulher perfeita”: a exigência? Não pode ter estrias, nem celulite, nem gordura localizada, precisa ter um corpo escultural e prótese de silicone nos seios. Esses homens não procuram uma mulher, e sim as esculturas das fotografias photoshopadas que a indústria da moda vende por aí e muito otário “compra”.

A partir do momento em que as mulheres aceitarem que não precisam ser perfeitas, as coisas ao redor delas começarão a mudar. A autoestima não tem nada a ver com a forma como os outros te veem e sim com a forma como você mesma se enxerga. Reconheça suas virtudes, trabalhe o que pode ser melhorado e ignore o que só é importante para os outros. Tudo que tiver relação à maneira como os outros veem você não deveria importar, pois a forma como os outros enxergam ou o que eles esperam de você, via de regra, é um problema deles e não seu.

A “beleza de revista” pode até ser útil para alguém ter seguidores no Instagram, posar para uma revista, entrar no Big Brother ou colecionar superlikes no Tinder… mas, no dia a dia, a beleza é até sufocada pela rotina, pois o que importa, de verdade, é você dar o melhor do que tem dentro de si nas relações interpessoais. Agora, se você não se amar em primeiro lugar, sinto muito, mas ninguém fará isso por você…

Então, a intenção aqui não é cultivar a hipocrisia: é evidente que a “beleza de catálogo” pode até encantar e aproximar pessoas, abre algumas portas, mas não mantém ninguém por perto. Ninguém se casa só com um corpo, mas com o ser humano que o habita; ninguém namora só um rosto.

As pessoas se apaixonam por sorrisos e ficam uma vida inteira juntas por admirarem qualidades que nenhuma câmera ainda foi capaz de capturar, por melhor que seja a lente. Assim, aquela velha máxima “quem ama o feio, bonito lhe parece”, é a verdade mais verdadeira desses tempos cruéis de ditadura da beleza. E, além da beleza não ter nada a ver com autoestima, a autoestima vai muito além da beleza física. 

 

Créditos da foto: br.freepik.com

Sobre o autor

Patrícia Librenz

Mãe de dois gatos, um autista e outro que pensa que é cachorro. Casou com um veterinário, na esperança de um dia terem uns 837 animais. Gaúcha no sotaque, pero no mucho nos costumes. Radicada em Foz do Iguaçu desde 2008, já fez mais de 30 mudanças na vida. Revisora de textos compulsiva, apaixonada por dicionários. A louca do vermelho. A chata que não gosta de cerveja. A esquisita que não assiste a séries. Dona da gargalhada mais escandalosa do Sul do Mundo. Mestra em Literatura Comparada, é fã de Machado e Borges, mas ignorante de Clarice Lispector e intolerante a Paulo Coelho. Não necessariamente nessa ordem.