A saga teve início em janeiro de 2008, quando numa tarde de verão, com a happy hour devidamente marcada com os amigos da empresa para após o expediente, começo a lacrimejar excessivamente, sentir uma estranha dor ocular e uma insuportável sensibilidade à luz. Por fim, ao chegar em casa com a intenção apenas de trocar de roupa para um agradável começo de fim de semana, olho para o espelho e constato o princípio do fim da minha paz: uma placa branca na córnea.
Confesso que demorei três dias para ir ao oftalmologista, pois acreditava que tudo aquilo deveria ser uma poeira que caiu em minha lente de contato. Quando dei por mim, estava começando um tratamento contra um grave problema oftalmológico, a Úlcera de Córnea, que para nós a partir desse momento fica conhecida como “A Víbora”, a quem tive que tratar a pires de leite como uma gata amestrada, tal qual Nelson Rodrigues com sua tuberculose.
Não direi que este foi um dos piores momentos de minha vida, pois faço jus àquela máxima “Para quem sabe olhar para trás, nenhuma rua é sem saída”. Por conta desse desastre ocular tive a oportunidade de solidificar algumas amizades, descobri alguns valores pessoais, abri mão de alguns outros e levei com muito bom humor os 30 dias que tive que usar um tampão no olho direito, o que me rendeu o apelido de Pirathália e vários bombons de rum, afinal pirata que se preza vive à base disso, tem olho “fudido” e cara de mau.
Outro belo ditado diz que “não há mal que dure para sempre”, e foi verdade, pois o último dia de tampão foi com direito a comemoração de quase colocar um bloco carnavalesco na rua. Praticamente me paramentei de nega-maluca e fui cair no samba, mas, para variar, esse magnífico dito popular tem um complemento que diz que “nem felicidade que nunca se acabe”. Maldito Autor Desconhecido. Eis que, em maio de 2009, a felicidade acabou por completo, onde amarguei o desespero, pois “A víbora” estava de volta, e para piorar as coisas, ela voltou prenhe de 5 placas brancas que estavam matando a córnea do meu olho esquerdo.
Foi a hora de recomeçar o tratamento e ter que passar novamente por todo aquele processo. O problema foi que o tratamento não foi tão eficaz quanto da primeira vez e assim tive que voltar ao tratamento pela terceira vez em apenas um mês, só que agora bem mais sério e pesado, ao ponto de chegar na contagem quase que olímpica de 26 gotas de colírio de meio dia até duas e meia da manhã, com direito a arrematar a pseudo-noite de sono com uma pomada que tem que ser passada dentro dos olhos.
Parece tortuoso, e talvez até seja, e eu mesma não tenha me dado conta do sofrimento, porque apesar de ter plena consciência da gravidade dos fatos, não me deixei abater e muito menos fui capaz de perder o meu humor ou me entregar achando que estava tudo perdido. Simplesmente eu não consegui me render, muito pelo contrário, brotou da rachadura do asfalto uma coragem imensa, e dentre todas as experiências que carregamos ao longo da jornada, esta, que sem dúvidas não foi uma das melhores, me deu oportunidade de me autoavaliar, de crescer como ser humano e de me tornar forte diante das dores físicas e emocionais que qualquer doença pode causar em qualquer pessoa.
Desde então, descobri que todos somos vulneráveis e por isso devemos ter sempre conosco uma boa dose de fé e gratidão. Tenham.
Créditos da Imagem: Freepik