Divã-neando

Flexibilidade para a vida

Escrito por Rose Carreiro

A idade pesa na coluna e nos faz endurecer, seja nas atitudes ou nas juntas. Esta é uma reflexão sobre manter sempre o corpo e a mente flexíveis.

Alguns aprendizados de infância deveriam ser garantidos para o resto da vida. Não falar com estranhos, comer todos os vegetais, mesmo que a gente não goste. Andar de bicicleta, pular corda, e dar cambalhotas também. A gente cresce, fala com estranhos e escolhe quais vegetais comer porque pode tomar as próprias decisões, mesmo sabendo que essas escolhas podem ser prejudiciais. A gente deixa de lado a bicicleta, a corda e as cambalhotas, até que eventualmente é obrigado queimar o sedentarismo e então descobre que desaprendeu tais práticas – e até nisso há um prejuízo. 

A última vez andei de bicicleta, terminei com o formato do pedal estampado na panturrilha. Minhas tentativas de pular corda na aula de crossfit de condicionamento para o pole dance só servem pra desconcentrar o resto da turma. Virei até um verbo: agora, se alguém erra na corda, fala que Roseou. E a cambalhota na aula de coreografia? Bem, não foi tão ruim quanto a corda, mas também está longe dos meus dez anos, quando eu poderia fingir ser um tatu-bola. Se meus joelhos e canelas viviam ralados por conta de tombos e acrobacias àquela época, agora estou sempre cheia de dores e hematomas por falta de coordenação motora e flexibilidade. 

Perdi aptidões tão simples, de quando minha vida era mais fácil, que soa absurdo – pra não dizer vergonhoso – confessar a dificuldade dessas pequenas coisas. Inspirar e expirar profundamente sem que precise de um instrutor de yoga dando ordens. Manter a coluna reta. Girar a cabeça sem que o pescoço estale feito um cream cracker sendo quebrado. Estar sempre com os olhos curiosos e com a mente imaginativa. 

E, assim como a idade pesa na coluna, penso também que, diante dos desencantos e distensões, o que acontece é que crescemos e endurecemos. Endurecemos nosso coração a cada decepção, e nossas costas nas longas jornadas de trabalho. Endurecemos nossos conceitos diante de outras opiniões, e nossos nervos diante de problemas. Endurecemos nosso olhar para o novo, e nossas pernas para o alongamento. Endurecemos por termos medo de nos machucar, e nos machucamos por termos nos tornado duros. Às vezes eu até sinto que virei uma pedra, e por isso é tão difícil rolar. 

Mas, se um Dreher desce macio e reanima, as acrobacias da vida – e minhas professoras de dança – também têm sempre algo a ensinar, seja para manter a cabeça ou o espacate abertos. No espírito de quem nunca lamentou tanto não poder voltar à infância e às cambalhotas no chão da sala da vó, compartilho meu aprendizado depois dessas duras constatações: não abandone seus talentos infantis. Pratique suas habilidades. Nunca perca uma oportunidade de pedalar ou de tentar uma pirueta despretensiosa. Preserve sua mente sem limites e garanta que seu coração seja sempre um lugar macio. Jamais perca a coragem de arriscar novas peripécias. E tente nunca endurecer em seu âmago, nem em suas juntas. 

Sobre o autor

Rose Carreiro

Nascida num 20 de Outubro dos anos 80. Naturalmente petropolitana, com passaporte carioca. Flamenguista pé frio e expert em não se aprofundar em regras esportivas. Fã de Verissimo – o Luis Fernando – e Nelson, o Rodrigues (apesar de tudo). Poser. Pole dancer com as melhores técnicas para ganhar hematomas. Amadora no ofício de cozinhar e fazer encenações cômicas baratas. Profissional na arte de cair nos bueiros da Lei de Murphy.