Ter um incrível número de distúrbios do sono sempre tornou o simples ato de dormir um verdadeiro sofrimento para mim. Insônia, sonambulismo, apneia, síndrome das pernas inquietas, bruxismo… um combo enlouquecedor de pregar os olhos no teto e, quando não, roncar, ranger os dentes, ficar sem ar. Mas não é só isso.
Além de não ter um sono reparador, que me permita descansar para o próximo dia de existência, eu ainda tenho que passar por algumas experiências tenebrosas até identificar as causas – e quem sabe entender os motivos.
Com 19 anos, acordei no meio de uma noite e ouvi vozes de crianças dentro do meu guarda-roupa. “Letícia, Letícia, me ajuda…”, elas diziam. Tentei me mexer, virar pro lado, chamar a minha irmã ou meu pai. Nada. Eu estava paralisada pelo medo daquelas vozes. Me esforcei um pouco mais para gritar e foi quando tudo piorou. O peso de um corpo muito denso sentou sobre o meu peito. Dor, ânsia, medo. Eu não conseguia me mexer e aquele espectro invisível me esmagava. Fiquei apavorada.
Esperei o café da manhã para dar a notícia. Eu estava possuída por um demônio. E, ao contrário dos personagens de filmes, eu não iria esperar a possessão se tornar completa sem contar para os outros o que acontecia comigo. Eu sempre tive birra da pessoa que vai abrir a porta quando, obviamente, tem um monstro atrás dela. Desse mal eu não padeceria.
Meu pai deu uma gargalhada, assim como minha irmã. “Impossível”. “Você só teve um pesadelo”. O Google ainda não era tão famoso e eu precisei comunicar todos os meus amigos na esperança de encontrar ajuda. “Coloca uma vasilha de água embaixo da cama”. “Acende uma luz azul no quarto”. “Toma banho de sal grosso”. Esses e outros conselhos povoaram os meus dias. E noite após noite acontecia. O edredom se dobrava com força sobre mim, a porta do quarto batia sozinha, uma mulher de 1890 vestida de preto passava por mim e me dava um sorriso bizarro.
O terror continuou, assim como minhas preces e avisos aos conhecidos: “uma hora eles vão me pegar de vez”. Em uma bela tarde, um amigo voltou de suas pesquisas. Ele sabia o que estava acontecendo comigo. “Catalepsia projetiva!”. E, assim, como num passe de mágica, entendi que a paralisia noturna era apenas mais um dos transtornos que me acompanhavam pela vida.
Depois disso foi fácil. Era só perceber que eu estava dormindo e piscar os olhos ou mexer os dedos com força para despertar. E tudo voltou ao normal: insônia, sonambulismo, apneia, síndrome das pernas inquietas, bruxismo, catalepsia projetiva…
Até que em certa noite, um grito ensurdecedor acordou meu marido. E, com ele, o pavor das minhas palavras: “Ele vai me pegar, ele está aqui! Nós não moramos sozinhos nessa casa!”.
Mas esse é um assunto para o próximo Halloween.