Relatório de Evidências

Quarto de doze

Dormir em hostel pode ser uma experiência muito enriquecedora. Mas dormir pode ser um desafio.

Passam das duas da manhã, quando a porta se abre pela sexta vez. A luz do corredor ilumina todo o quarto, mostrando cada uma das 12 camas e os corpos que repousam sobre dez delas.

Ao lado da porta, a minha cama é a primeira a ser atingida. A luz me faz despertar e reparar em quem entra: um rapaz magro e moreno, 20 e tantos, constrangido por chegar àquela hora e pelos gemidos de descontentamento que provocou em todo o quarto.

A porta se fecha, barrando assim a luz que vinha do corredor. O quarto volta a ficar escuro a não ser pelo retângulo iluminado na mão do recém-chegado. Com aquela pouca luz, ele busca uma cama e, enfim, sossego. Os olhos deixam de se incomodar e as pessoas daquele quanto voltam a dormir.

Aí começam os barulhos.

Primeiro, o zíper da mala sendo aberta, algum embrulho em sacola plástica, uma chave, passos. A cama range seu metal envelhecido. Mais passos. A porta do banheiro se abre. Chuveiro. Água que cai e que deixa de cair no chão. Uma toalha é esfregada no corpo. Torneira, escova de dente. Toalha.

A porta se abre.

Os passos voltam à cama que volta a ranger metálica. Um, dois, três passos sobem a curta escada. O corpo se deixa deitar. Um suspiro demorado. Duas tossidas. Se ajeita. Resmungo. Tossida. Relaxa.

O quarto fica todo em silêncio por um momento. Um breve momento até que um ronco agudo e cadenciado começa a soar.

E eu, deitado perto da porta, e acordado desde que aquela luz entrou no quarto, não consigo voltar a dormir…

3h03: outro cara entra no quarto. O ronco dele é mais alto que o do anterior. Coloco fone de ouvido: mantras, bem alto. Ouço o som de passarinhos, um lago, o vento a balançar a água. Flores em um gramado amplo.

De repente, um tanque de guerra nazista chega destruindo as flores, tacando fogo nas árvores e matando os passarinhos.

Sério, não dá. Como podem as pessoas que roncam dormirem com o próprio ronco?

Pego o travesseiro, o mantra e vou para o único sofá do hostel que tem uma parte que dá para deitar. Chego lá e tem um cara deitado já. Sento ao lado, meio sem jeito. Coloco o fone, mantra de novo.

Aí o cara também começa a roncar…

Sobre o autor

Murilo Alves Pereira

Jornalista científico de formação, observador do cotidiano por vocação, acredita que as histórias acontecem o tempo todo e só esperam ser contadas. Gosta de imaginar um mundo mais literal, onde, por exemplo, Lady Insônia, com sua rouca voz de fumante, não o deixa dormir. E, enquanto não dorme, cria contos tendo como inspirações uma loira e um gato com os quais divide um barraco. Viajante, apreciador de cervejas, divulgador de ciência e colecionador de águas, tem amor por madeiras, plantas e mapas e uma implicância especial pelo uso incorreto de “literalmente”.

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