Relatório de Evidências

Ephémeros

Escrito por Guilherme Alves

Porque os melhores presentes de Natal são os que duram a vida inteira.

Minha família tem exatamente uma Tradição de Natal: no dia 24, a gente vai depois do almoço para a casa da minha avó materna, fica lá comendo a tarde inteira, e, quando dá umas 17h, trocamos os presentes. Aí, meu tio e meus primos vão para outros eventos natalinos, e eu, meus pais e minha irmã voltamos cada um para as suas respectivas casas. Sempre foi assim, desde que me entendo por gente.

Mas, nesses 41 Natais (talvez menos, já que não me lembro dos primeiríssimos), apenas um único evento ficou fortemente gravado na minha memória. Era o ano de 1985 (ou seria 1986? Essa parte não ficou tão fortemente gravada assim) e minha avó morava numa casa com quintal, da qual o muro que dava para o vizinho tinha aquele monte de cacos de vidro para impedir que alguém o pulasse (que, caso interesse a alguém, se chamam ofendículos). Vocês que moram nas cidades mais calmas desse nosso Brasil Varonil talvez não saibam do que se trata, mas, aqui no Rio de Janeiro, antes da era das cercas elétricas e concertinas, praticamente todas as casas tinham. Não sei se era uma firma especializada que fazia, ou se o próprio dono da casa saía quebrando um monte de garrafas para colocar os cacos no topo quando erguesse o muro, mas, francamente, isso não interessa nem um pouco para essa história.

O que interessa é que meu primo, que devia ter uns 6 ou 7 anos, tinha pedido para o Papai Noel uma bola de futebol dente de leite – que era toda mole, própria para crianças, confesso que não sei se ainda existe. Nem sempre a gente ganhava o que pedia, porque nosso Papai Noel nem sempre tinha dinheiro suficiente, mas, naquele ano, ao chegar na casa da minha avó, vimos um embrulho que com certeza só podia ser a tal bola. Tomado pela empolgação, meu primo ficou indócil, querendo que a hora da troca dos presentes chegasse de qualquer jeito.

Quando finalmente a hora chegou, e deram o embrulho pra ele, ele já estava alucinado. Rasgou o papel todo, deu um grito de emoção, correu para o quintal e chutou a bola. Que foi direto no caco de vidro do muro. Se eu dissesse “e furou”, estaria fazendo um tremendo de um eufemismo, porque a bola fez um rasgo que quase a dividiu em dois. Cinco horas esperando por um presente que durou cinco segundos.

Verdade seja dita, meu primo não chorou, só ficou absurdamente decepcionado. Depois nós descobrimos que foi o próprio pai dele quem comprou a bola e colocou na árvore (era uma troca de presentes, meus avós não compravam tudo, meus pais também colocavam alguns lá para mim e para a minha irmã), e que depois ele comprou outra, então meu primo só ficou mais alguns dias sem a bola. Mas, mesmo assim, esse evento fatídico ficou gravado na minha mente para sempre.

O que prova que Natal não é sobre presentes. É sobre reunir a família, dar boas risadas, comer que nem um leitão e fazer memórias que durarão para sempre. E sobre conter a empolgação para não fazer besteira, uma lição que pode ser levada para a vida.

Sobre o autor

Guilherme Alves

Nascido numa tarde quente de verão no Rio de Janeiro, casado aparentemente desde sempre, apaixonado por idiomas (se pudesse, aprenderia todos). Professor de inglês porque era a única profissão que parecia fazer sentido, blogueiro porque gosta de escrever desde que a Tia Teteca mandava fazer redação. Coleciona DVDs, tem uma pilha de livros que comprou mas ainda não leu maior que uma pessoa (de baixa estatura) e um monte de jogos de tabuleiro que não tem tempo de jogar. Fanático por esportes, mas só para assistir, porque é um pereba em todos eles. Não se pode ter tudo na vida.

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