Pensamentos crônicos

Unhas

Escrito por Rose Carreiro

Sobre a necessidade e a dificuldade de cortar as unhas e os problemas na vida.

Quando era criança, meu sonho era ter unhas compridas. Via minha tia nas tardes de domingo com a TV ligada, alicate e lixa em mãos, e um saco cheio de esmaltes – hoje em dia me pergunto por que tantos, se ela sempre usava a mesma cor, e percebo que minha caixa também não fica muito longe, com uns 15 vidrinhos com tons ligeiramente diferentes de vermelho. Tia Ana sempre ostentou unhas enormes e bem feitas e pintadas. Meu sonho de vaidade adulta. 

Cresci – modo de dizer para quem tem 1,61 m de altura – , mas minhas mãos não acompanharam. Usando anéis tamanho 13 e 15, meus dedos infantis não podem nutrir aquelas belíssimas unhas quadradas de catálogo de cosméticos. Mas, minha maior desilusão nisso tudo é que acabei, como em muitos projetos de vida, me autossabotando e criei uma necessidade extrema de cortá-las bem rentes aos dedos.

Assim que passam dos limites das falanges, minhas unhas viram instrumentos de uma tortura física e psicológica. Começam a agarrar em tudo, juntam pelinhos de roupas, restinhos de creme e maquiagem. Às vezes, qualquer vestígio de substâncias acumuladas ali me gera um TOC que dura muitos minutos, e consiste em passar as pontas das unhas umas por debaixo das outras, até que me doam os “sabugos”. Sem contar os cortes e arranhões involuntários, porém, constantes. 

Como faço com muitas coisas que me incomodam e machucam na vida, eu demoro pra tomar uma atitude. O cortador está a um cômodo de distância, mas eu insisto em sofrer ao invés de cortar, literalmente, o mal pela raiz. Sei que é do meu gênio procrastinador. Pode ser um pouco de preguiça também, ou talvez o meu inconsciente queira que eu passe por todos os processos de sofrimento antes de resolver o problema.

Sempre penso: Dá trabalho? Um pouquinho. Leva tempo? Nada mais que uns minutos. Porém, mesmo digitando aqui com os dedos dobrados demais por conta das garrinhas, vou levando as unhas até onde dá e o corpo aguenta. No quesito manicure e na vida, sei que só dou cabo do que me incomoda quando estou a ponto de enlouquecer – ou chorar, apesar de muitas vezes desmanchar em lágrimas antes de cortar as unhas.

Drama e procrastinação à parte, quem dera que outros obstáculos só precisassem de uma tesoura pra sumirem da minha frente.

Sobre o autor

Rose Carreiro

Nascida num 20 de Outubro dos anos 80. Naturalmente petropolitana, com passaporte carioca. Flamenguista pé frio e expert em não se aprofundar em regras esportivas. Fã de Verissimo – o Luis Fernando – e Nelson, o Rodrigues (apesar de tudo). Poser. Pole dancer com as melhores técnicas para ganhar hematomas. Amadora no ofício de cozinhar e fazer encenações cômicas baratas. Profissional na arte de cair nos bueiros da Lei de Murphy.

Comente! É grátis!