Desacato Pensamentos crônicos

RAP

Escrito por Leandro Duarte

Em um tempo em que a cultura é sucateada, nossa obrigação é exaltar e consumir a cultura que nos emociona, que nos forma como ser humano. E o RAP, parceiro, é compromisso, não é viagem.

Vivemos um tempo em que, além de assistir a um porco nazista ser elevado a secretário de Cultura e plagiar discurso de Goebbels, por meio da censura e do sucateamento do aparato, observamos a estratégia institucional do desmonte do patrimônio cultural brasileiro por esse governo pau no cu.

Nosso papel é subverter essa porra e falar de arte, irmão, consumir nossa cultura e mostrar para esses caras que esse bagulho é nosso. Dito isso, hoje eu falo da arte que mudou minha vida, me formou como ser humano, me ensinou a pensar e a não olhar o irmão do lado com indiferença. O Rap é uma escola.

Racionais, RZO, Sabotage, Facção Central, Trilha Sonora do Gueto, SNJ, Ndee Naldinho, Dina Di e outros tantos. Não consigo me imaginar sem a revolução que essa galera promoveu na minha cabeça. Todo moleque devia passar por isso. Certamente não teríamos eleito uma piada de mau gosto presidente da república.

O rap me ensinou que é necessário sempre acreditar que o sonho é possível, que o céu é o limite e você, truta, é imbatível.

É necessário porque é nossa única alternativa, mano, é fácil se sentir frágil, é fácil se sentir diminuído vendo os playboys tendo tudo e você com sorte tem o necessário. Provar que é capaz de jogar de igual pra igual não é uma questão de ser forte, é questão de sobrevivência, tá ligado. Nem eu, nem meu coroa tínhamos como pagar uma faculdade, era passar na estadual ou nada. Obrigado pela força, Ed Rock.

O rap ensinou pra minha geração que A favela é sinistra, e na madrugada tem filha da puta assassino de farda. Depois de grande você entende que o problema é bem mais complexo e nem sempre está apenas na farda, mas é sempre bom andar ligeiro com os cop, eles tão lá pra defender o Estado e não você, se é interesse do Estado não tem boi, é tiro pra todo lado. Cascão, sem palavras pra agradecer por tantos dos meus que não caíram, por entender sua mensagem.

O rap me fez gritar Respeito é pra quem tem, e não importa quem tá do outro lado, ou nos trata com dignidade ou não vai arranjar nada, safado aqui não atravessa, não.

O rap me contou várias histórias loucas, não dessas de fantasia da Marvel, aqui o buraco é mais embaixo. Histórias que eu podia ver ser reproduzidas à minha volta, a maioria triste, não triste porque o mocinho se sacrificou pra salvar a todos, mas triste porque o vilão percebe que às vezes é tarde demais pra final feliz. Desculpa mãe, por tantas noites em claro, triste sem dormir. Facção, brigado por não cair nessa de deixar a coroa de lado pra ficar de grupo na rua.

Rapaziada da Zona Oeste, antes de eu entender o siginificado dessas palavras, elas já ecoavam em mim – Se para o nosso bem a solução é a rebelião, então que seja feita a revolução! E não tem arrego, não, os coxas passam mal se a greve atrapalha sua vidinha mansa, esse papinho não me ganha, já ouvi do SNJ – Se tu lutas, tu conquistas.

O rap sempre esteve em mim, sempre estará. Em São Paulo, Deus é uma nota de 100. Mas quem nunca teve dinheiro, sabe bem viver sem esse Deus. Não sei se existe amor em SP, mas pouco importa, pois quem gosta de nós, somos nós mesmos.

Firmeza total, mais um ano se passando
Graças a Deus a gente tá com saúde aí, ‘morô?
Muita coletividade na quebrada, dinheiro no bolso
Sem miséria, e é nóis
Vamos brindar o dia de hoje
Que o amanhã só pertence a Deus, a vida é loka

Sobre o autor

Leandro Duarte

Leandro, 33 anos, ganha a vida em projetos e TI, talvez por isso sem a menor paciência para toda essa bobagem nerd e cultura pop. Em resumo, inadequado. Grande demais para a poltrona do ônibus de todos os dias.
Pequeno demais para sorrir de tudo. Velho demais para um banho de chuva; muito novo para temer o resfriado. Direto demais para a palavra escrita, e de menos para se fazer compreender. Humano demais para viver de tecnologia. Humano de menos para largar tudo. Comunista demais para os dias de hoje. Comunista de menos para o que é preciso ser feito.
Mesmo inadequado, segue peleando. Como era de se esperar, falhando miseravelmente.

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