Eu era um moleque, 16 anos.
Caralho, já tem 18 anos essa porra, eu era moleque de tudo.
Escola pública, segundo colegial. EEPSG Maria Isabel Neves Bastos. Vou te falar que tive sorte. Apesar de se tratar de uma escola de subúrbio em uma cidade pequena nos arredores da grande São Paulo, tive professores incríveis, e a escola ficava a 5 minutos a pé da minha casa. Eu acreditava muito mais nas pessoas e meu sonho era me alistar nas FARC – era a minha melhor chance de ter ação.
Enquanto o sonho das FARC não passava de sonho, a gente tava lá organizando o movimento, tocando o grêmio estudantil, lutando pela merenda de qualidade, pela instalação de grade na quadra, lutando pra abrir a escola no final de semana, lutando do lado dos professores sempre que preciso. Eram tantas as demandas, eram tantas as dores da nossa molecada.
Na medida do possível, minha relação com as autoridades escolares era amistosa, havia diálogo e a gente tentava não fazer tanta merda.
Daí, mano, trocou a direção da escola. Uma diretora nova trazendo como vice a própria irmã. Nossa história começou mal, com a dupla tentando impedir a participação dos alunos em um ato pela educação no dia do estudante. Nesse dia, mandei ela à merda. O primeiro golpe que essa dupla me deu foi cercear meu acesso à escola fora do horário. Como integrante do grêmio, tinha acesso à escola mesmo fora do meu horário, para tocar as atividades do grêmio, ouvir rap e planejar a revolução. Pensa que doido, a escola era meu lugar preferido naquela época.
Bom, voltando à história, essa diretora tava fodendo com a gente, injustamente e de uma forma tão arrogante que posso sentir o ódio correndo em minhas veias só de lembrar. Saudade.
Precisava fazer algo. Me juntei com mais dois amigos, dos quais pouparei os nomes para que não sejam de alguma forma criminalizados por nosso ato de rebeldia. Aliás, um desses putos é bem bolsonarista hoje em dia, aquele merda, cagueta. Vocês vão entender.
Eu já escrevia naquela época e escrevi uma espécie de manifesto. Um panfleto com a elegância e a polidez com que costumo me manifestar aqui no Crônicas, denunciando o autoritarismo e a intransigência da nova direção da escola, e convocando os alunos a se voltarem contra essa covardia exigindo um ambiente mais democrático, como sempre tivemos. Imprimimos umas 100 cópias no partido.
No dia seguinte, pulamos os muros da escola antes da primeira aula da manhã. Espalhamos nosso panfleto por todas as salas e pulamos para fora, como se nada tivesse acontecido. Obviamente o zelador nos viu e, para meu espanto e decepção, nos delatou. Eu gostava daquele traidor.
Ameaça, calúnia e difamação. Era essa a acusação que sofríamos por parte da diretora e da vice, sua irmã. Sim, fomos legalmente processados pela diretora da escola.
Chamados a depor, combinamos de negar tudo. Quem poderia provar? Não havia câmeras. Era nossa palavra contra a deles. Era perseguição política. Neguei tudo ao escrivão – sim, tive de ir à delegacia depor. O amigo número 1 negou tudo quando convocado, tudo conforme o combinado. O amigo número 2, aquele que hoje é bolsonarista, sabe? Esse merda se cagou e caguetou a porra toda. Sob a orientação da sua tia, recém-formada advogada.
O foda foi ter que falar pro meu coroa. Ele assinou na delegacia um depoimento meu negando a porra toda. Dias depois voltamos à delegacia para refazer o depoimento, porque eu “lembrei” tudo o que tinha acontecido naquela manhã. Caralho, que moleque filho da puta, tinha que virar bolsonarista.
No final das contas, fomos absolvidos. Não havia nada no panfleto que justificasse aquela acusação, no Fórum os caras riram do processo na minha frente. A diretora perdeu força, mas nunca deixou de ser cuzona. Eu sentia a revolução na palma da minha mão. Agora que preciso, não tenho mais essa força. E eu era só um moleque.
Saudade.