Vocês já ouviram falar em experiência de “quase morte”? Aqueles relatos de pessoas que estiveram muito próximas de morrer, e descrevem a situação tal qual na maioria das vezes a gente vê nos filmes, novelas ou seriados: um túnel, ao final dele uma luz, um corpo vagando por ele, provavelmente a alma da pessoa, e depois retornando ao mundo dos vivos, para a dura realidade, e a vida continua, ocorre um recomeço.
Não cheguei a vivenciar isso, mas posso dizer que em 1999 eu escapei de ir para um outro mundo. Em setembro daquele ano, eu tinha dez anos quando viajei com meus pais para Criciúma, em Santa Catarina, numa festa de Bodas de Ouro de uns tios-avós meus. Cinquenta anos de matrimônio merecem comemoração.
Naquela viagem, fomos em três carros. Meu irmão, então com 18 anos, ficou cuidando da casa, tratando do cachorro, essas coisas. De modo que em um carro estavam meus pais, eu e uma tia, irmã de minha mãe. Nos outros dois veículos, mais tios, uma prima e minha avó materna.
Meu pai não dirigia, nunca tirou carteira de motorista. Uma vez tentou dirigir um Fusca e o resultado não foi dos melhores. Portanto, era sempre minha mãe a motorista da casa, enquanto eu e meu irmão ainda não éramos habilitados.
Na ida foi tudo perfeito. Quer dizer, em partes. Tirando um problema de bateria, com o carro parando ao lado de uma queimada à beira da rodovia. Mas, chegando em solo catarinense, era tudo festa, passeio na praia, comemorações, visitas a parentes. Como o feriado de 7 de setembro cairia naquele ano numa terça-feira, emendamos o final de semana para voltar para casa no feriado. E aí, veio o problema.
Durante toda a viagem, minha tia e eu sentamos no banco de trás. Ela no lado esquerdo e eu no direito. O carro era um Gol daqueles quadradinhos, o tal Gol 1000 da VolksWagen. Já no Paraná, faltando pouco mais de cem quilômetros para chegar em casa, minha tia decidiu trocar de lado comigo, pois estava incomodada com o sol. Logicamente eu atendi, não haveria problema. Sem saber, essa atitude acabou salvando minha vida.
Eu vinha dormindo tranquilamente em meu novo lado do carro e, quando acordei, não estava entendendo mais nada. Primeiro que meus pais estavam comigo no banco de trás, minha mãe chorava, aquele carro não era o nosso. O que estava acontecendo? Meu rosto ardia, fui tocar com a mão e acabei impedido pela minha mãe. Mas o pouco que meus dedos encostaram me causaram um susto. Eu estava sangrando! Como assim?
A explicação é que em um trevo próximo a Cascavel, sofremos um terrível acidente. Ao atravessar, nem minha mãe, nem meu pai, que sempre fazia as vezes de “copiloto”, conseguiram ver a aproximação de uma carreta em alta velocidade. Ela atingiu em cheio a lateral traseira direita do carro onde estávamos, acertando com tudo o lado onde minha tia estava (e onde eu também estava alguns quilômetros antes). Os estilhaços e cacos de vidro da janela da lateral traseira vieram tudo em direção ao meu rosto. Passei por cirurgias para a retirada desses pequenos cacos no nariz, tenho cicatriz até hoje.
Todos naquele carro tiveram algum tipo de ferimento. Minha mãe quebrou a bacia e teve marcas temporárias no peito causadas pelo cinto de segurança. Meu pai sentiu dores nas costelas. Mas os dois foram avaliados pelos médicos e liberados. Só que nada se compara à gravidade da minha tia.
Ela foi prensada pela lataria do veículo, que acabou afundando com o impacto da batida. Ficou internada na UTI do Hospital Universitário de Cascavel por 21 dias, onde não resistiu aos ferimentos e faleceu, com 45 anos de idade. Muito jovem.
Eu era apenas uma criança de dez anos. Não posso dizer que esse fato fez com que eu “enxergasse a vida de outra maneira”, esses papos de coach. Foi, sim, algo que me traumatizou, mas não a ponto de eu ter medo de andar de carro novamente, ou viajar.
Eu passei a acreditar que tudo deve ter a sua hora, apesar de que nem sempre conseguimos entender os motivos dessa tal hora vir quando menos esperamos. Hoje, depois de quase 21 anos, eu penso nisso tudo e acho que agora passei a valorizar muito mais cada segundo que respiro, pois não sei quando isso tudo vai terminar. Ainda assim, volta e meia cometo alguns erros de deixar certas situações para outra hora, outro momento. Tolice, penso eu.
O momento deve ser o presente, pois o futuro, nós até podemos tentar planejar, só que nem sempre temos controle sobre ele.