Eólico, o vento que circula o meu prédio, me acordou ontem, de novo, às 6h da manhã. Abri as cortinas pra ver a poeira que parecia uma rajada de canela em pó passando pela minha janela com as folhinhas rodopiantes. Xinguei esse espetáculo poético e voltei pra cama. O uivar do vento é só um dos motivos para as minhas olheiras, afinal.
Há as noites em que os jovens londrinenses se reúnem com falatório, cigarros e cantoria, na falta de um lugar pra ir durante a pandemia, sob a minha janela. E há as noites em que os mendigos dormem na pracinha, discutindo entre si por horas madrugada afora. Os vizinhos do andar de cima andam pelo quarto depois da meia-noite. Às vezes, eu falo alto sozinha, na esperança de que me escutem também, devolvendo o incômodo. Se comparados à vizinha que parecia ter bolas de bilhar caindo pela casa no antigo apartamento, esses nem incomodam tanto.
Quando não são os sons da noite, são outros, os de sempre. A praça aqui reúne outros habitantes: às vezes pombos, bem-te-vis. E ainda tem o trânsito de uma cidade que não parou. Algum alarme desesperado que toca por minutos e é desligado, mas logo volta a berrar. Enquanto digito e tento contar o tempo que o barulho dura, alguém desativa o alarme, mas daqui a pouco ele volta. E há o cantor da costelaria, que todo fim de semana faz uma seleção das mesmas músicas, de Natiruts a Roberto Carlos, interpretadas de forma acústica, com o mesmo ritmo e as mesmas notas no violão. E o couvert é cobrado.
Eu não gosto de silêncio. Podcasts e música são os meus companheiros de solidão. Mas, às vezes até o Spotify me cansa, então eu deixo só os sons cotidianos desse isolamento fajuto invadirem os meus ouvidos. Eles me moem um pouco o cérebro, me cavam rugas, me afundam os olhos. Os sons e o isolamento. Me obrigam a dormir tarde, me despertam de madrugada, me fazem acordar cedo. Me irritam, e não há nada que possa fazer pra sair disso. Mas, vendo o copo meio cheio, ao menos me permitem escrever sobre eles, ainda que seja pra reclamar.
Se serve de consolo, depois de tantos anos a insônia voltou correndo pra mim.