Divã-neando

Ressaca emocional

Escrito por Rose Carreiro

Que se consuma até o último gole de uma garrafa de coisas boas, e que se viva volta e meia a dor gostosa de uma ressaca emocional.

Overwhelmed é uma das minhas palavras favoritas do Inglês, dessas cujos som e significado me aprazem. Queria que em Português houvesse algo que traduzisse esse sentimento sem o peso do termo sobrecarregar. Deliberadamente, então, escolhi usar a expressão “ressaca emocional” para definir tal estado.

A ressaca emocional pode ser detectada entre as covinhas de um sorriso que não se fecha por horas. Nos riscos das rugas de olhos fechados quando uma memória boa vem à cabeça. No eriçar dos cabelos da nuca cada vez que se fala de um momento sublime. É um transe que vai e volta, com picos de felicidade, prazer, nostalgia, e até uma tristeza de saudade – do que, dessa vez, a gente viveu. E ela pode durar.

Corre pelas mãos um formigamento. O sono demora a vir, a cabeça dá voltas e desliga do cotidiano pra se conectar a um mundo de lençóis macios, toque sedoso e cheiro gostoso. E os sons simples, como o ronronar da gata, transbordam o coração de uma sensação reconfortante. Dá até pra duvidar do merecimento de novo.

O barulho da rotina fica menos irritante. A insônia dá mais tempo pra sonhar acordada. A gente fala sozinha, ri sozinha, e é só fechar as pálpebras para enxergar bons momentos experimentados sob uma pele despida de prisões sentimentais. A ressaca emocional é feita de gotinhas inebriantes que enchem nossa taça de uma edição limitada e arrebatadora do “se sentir viva”. 

Mas, como diria minha vó: não há mal que sempre dure, nem bem que nunca se acabe. Uma hora, essa ressaca emocional vai passar. O efeito vai se abrandando, os conflitos e os boletos vão diluindo o sabor doce dessas pedrinhas de delícia. À boca, só lhe resta querer sentir o gosto desse néctar de novo.

A vida não pode ser sempre uma embriaguez de emoções dilacerantes. Os pés devem de novo ser fincados no chão da realidade. E o fígado, pra não dizer o coração, precisa de um pouco de amargor pra equilibrar tanto doce. Contudo, ainda fica sempre a vontade de mais uma dose. 

Sobre o autor

Rose Carreiro

Nascida num 20 de Outubro dos anos 80. Naturalmente petropolitana, com passaporte carioca. Flamenguista pé frio e expert em não se aprofundar em regras esportivas. Fã de Verissimo – o Luis Fernando – e Nelson, o Rodrigues (apesar de tudo). Poser. Pole dancer com as melhores técnicas para ganhar hematomas. Amadora no ofício de cozinhar e fazer encenações cômicas baratas. Profissional na arte de cair nos bueiros da Lei de Murphy.

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