No último domingo, Lewis Hamilton conquistou sua vitória de número 92, tornando-se o piloto com o maior número delas na Fórmula 1. Acontecimento esperadíssimo, já que somente uma hecatombe impediria que ele quebrasse tal recorde este ano, e desde bem antes da conquista alguns “fãs” decidiram fazer campanha. Contra. Basicamente alegando que, mesmo tendo chegado a esse recorde, Hamilton não merecia a festa, pois, segundo eles, é apenas um bom piloto, sem nada de gênio, que só teve essas conquistas graças a ter o melhor carro. E, para provar, jogaram a carta que, na Fórmula 1, é mais usada que a Saída da Prisão no Banco Imobiliário: Ayrton Senna.
Para quem acompanha Fórmula 1 há um pouquinho mais de tempo, como eu, nada disso é novidade. Aconteceu igualzinho quando um cidadão chamado Michael Schumacher, pilotando um certo carro vermelho, começou a quebrar recorde atrás de recorde. Na época, o argumento era o mesmo: o alemão não é bom, ele apenas tem o melhor carro. Não é como Senna.
Senna, de fato, foi um dos maiores gênios da Fórmula 1, talvez de todo o automobilismo. Faz parte de uma galeria que inclui Juan Manuel Fangio, Jim Clark, Jackie Stewart, Emerson Fittipaldi, Niki Lauda, Mario Andretti, Nelson Piquet, Alain Prost, Nigel Mansell, Fernando Alonso, e os já citados Schumacher e Hamilton, dentre outros que eu posso ter esquecido ou preferido não citar. Você pode até argumentar que Senna foi melhor que todos eles, mas não pode jamais, em hipótese nenhuma, dizer que algum deles não foi gênio. Que só foi campeão porque tinha o melhor carro – sim, porque todos eles, quando foram campeões, tinham os melhores carros do grid, incluindo o próprio Senna. Podemos até fazer uma lista em ordem do melhor para o pior, por qualquer critério que quisermos, mas jamais um deles não vai ser merecedor de estar nessa lista. Porque não são os números que fazem com que eles sejam gênios, e sim o que eles fizeram dentro do carro.
Hamilton não é gênio porque conquistou 92 vitórias, e sim pela forma como poupa os pneus, como consegue a volta mais rápida no momento certo, como controla a distância para os pilotos que o perseguem. Isso quem diz não sou eu, a Mercedes, os comentaristas esportivos ou a família dele, e sim seus próprios adversários – Sebastian Vettel já chegou a declarar que Hamilton é um “encantador de pneus”, pela forma como consegue fazer os compostos durarem. E não, isso não é mérito só do carro, porque seus colegas de equipe não conseguem o mesmo desempenho. Como todo gênio, Hamilton é perfeccionista, ao ponto de, mesmo liderando com folga, estar sempre reclamando de alguma coisa no rádio – os pneus não estão bons, a hora de entrar nos boxes foi errada, minhas pernas têm cãibras. As 92 vitórias não são o motivo de sua genialidade, e sim o resultado delas.
Em um ponto, eu até concordo: a genialidade de Hamilton ficaria mais evidente caso ele tivesse adversários à altura. Caso Verstappen, Vettel e Ricciardo tivessem carros capazes de oferecer a ele a mesma oposição que Piquet, Prost e Mansell ofereceram a Senna. Mas, mesmo assim, eu acredito que o britânico chegaria a 92 vitórias da mesma forma – talvez demorando mais um pouquinho, mas chegaria. Porque o melhor carro é essencial a um bom piloto, mas não faz milagre, senão as equipes não cobiçariam os melhores pilotos, colocariam qualquer um lá e rumariam ao título. Imaginem a economia que a Mercedes faria demitindo Hamilton e colocando um estreante que recebesse um décimo do salário dele. De acordo com as teorias malucas que rolam por aí, esse estreante seria campeão do mesmo jeito.
Para concluir, a meu ver, usar Senna como justificativa para dizer que Hamilton não é gênio é uma besteira sem tamanho, principalmente porque Hamilton jamais vai apagar o que Senna fez. Seus registros estão lá, pra todo mundo ver o grande piloto que ele foi. Se os mais jovens vão achar que Hamilton é melhor que Senna porque não viram o brasileiro correr, paciência, também temos toda uma geração que acha que Messi e Cristiano Ronaldo são melhores que Pelé, o que pra mim é um disparate ainda mais absurdo. Mas isso é papo para outro texto.
Concordo totalmente com o Guilherme. E isso porque ele não incluiu na postagem vários pilotos considerados gênios pelos fãs e imprensa (estrangeira) da Fórmula 1 mas que nunca ganharam um título: gente como Sir Stirling Moss, Ronnie Peterson, Jacky Ickx, Carlos Reutemann, Gilles Villeneuve, Didier Pironi, Rubens Barrichello (pé-de-chinelo é a pqp!) e David Coulthard.